Saber cuidar: alterando o cotidiano para melhor
O sonho da cidade ideal é sonhado por muitos. Este sonho, que é vontade coletiva, faz parte dessa grande teia da vida, onde a urbe transforma-se em organismo que pulsa, que pensa, que almeja o equilíbrio. Transformar sonho em realidade não é tarefa fácil. Exige vontade, esforço continuado e acima de tudo perseverança. Um traço que marca o perfil dos vencedores, particularmente daqueles que ousaram transformar a sociedade para melhor, é a perseverança. E só perseveram aqueles que acreditam em um ideal, aqueles que crêem no poder transformador do ser humano. Portanto, se acreditamos na possibilidade de construção da cidade dos nossos sonhos, precisamos exercitar a perseverança que, em termos práticos, significa trabalhar permanentemente para a efetivação desse ideal.
O primeiro passo, nessa longa caminhada, envolve a formação de uma consciência coletiva de valorização do espaço urbano, de valorização da cidade como território sagrado onde podemos garantir a nossa qualidade de vida. Nessa etapa, é fundamental a participação de todos aqueles que são detentores de conhecimentos sobre os elementos que compõem o “Sistema Cidade”: dos geólogos, que conhecem o substrato rochoso sobre o qual a cidade se implanta; dos arquitetos e engenheiros urbanísticos, que projetam a forma de ocupação do solo e as artérias de escoamento da cidade; dos profissionais sanitaristas (médicos e engenheiros), que esboçam e implementam os sistemas de “higiene” da cidade; dos profissionais que cuidam do abastecimento de água, elemento crucial para a sobrevivência da cidade; dos engenheiros elétricos, que desenham e colocam em funcionamento as redes elétricas que abastecem a cidade de energia elétrica; enfim, de todos os profissionais que dão suporte à chamada infraestrutura urbana.
A idéia básica é que nesta etapa de conscientização o conhecimento especializado alcance as diferentes camadas da população. E para que isso ocorra, necessita-se criar mecanismos de divulgação do saber especializado sobre o “Sistema Cidade”. O povo precisa saber, por exemplo, o seu papel como agente de preservação dos mananciais de água potável; a população precisa ter consciência da necessidade de preservação das áreas verdes da Cidade; os empresários da construção civil devem ser bem informados sobre as vulnerabilidades do ambiente urbano. Para tal, faz-se necessário envolver os profissionais de comunicação, a mídia local, as universidades, a secretaria de educação, sob a coordenação do poder público, numa campanha permanente de educação do cidadão para os cuidados que a Cidade necessita. Esse projeto educativo deve ter visão de longo prazo, deve ter garantias legais e institucionais de continuidade.
O passo seguinte diz respeito à construção de um novo paradigma participativo. O cidadão precisa participar mais do processo de construção (ou reconstrução) da Cidade. O cidadão, após tomar consciência do seu papel como agente de mudança, estará mais presente nas ações de melhorias da Cidade, deixando de delegar exclusivamente este trabalho para os administradores públicos, que historicamente não têm desempenhado bem esse papel.
Precisamos ser mais exigentes com respeito à ação do Estado nos destinos da Cidade. Órgãos como Conselho Municipal de Planejamento Urbano e Meio Ambiente, Conselho Municipal de Saneamento Básico; Conselho Municipal de Saúde; Conselho Estadual de Meio Ambiente; Conselho Estadual de Recursos Hídricos, precisam ter representantes legítimos dos diferentes segmentos da sociedade, comprometidos com desenvolvimento sustentado da Cidade. Quando abrimos mão dessa representatividade, entregamos os destinos da administração pública e da aplicação dos recursos existentes nas mãos de pessoas que muitas vezes não estão interessadas no bem coletivo.
O cidadão consciente precisa dar um salto de qualidade no seu envolvimento com os problemas da Cidade, precisa deixar de conjugar exclusivamente o verbo “reclamar”, passando a exercitar mais intensamente o verbo “participar”. Participação é, de fato, a palavra chave. Porém deve ser uma participação ativa, vigorosa, diferente daquela que muitos acham que já exercitam, que é a participação como “ouvintes”. Devemos participar como atores, como atores principais, nessa árdua tarefa de construir uma cidade melhor, de construir a cidade dos nossos sonhos.
Retirado do livro "Pedagogia da Água"
Autor: João de Deus Souto Filho
Quem estuda seriamente a questão da sustentabilidade afirma de modo categórico: o planeta Terra deve ser considerado como um sistema. Sabe-se que tudo está interligado nesse mega-sistema planetário. A litosfera está ligada à hidrosfera, que por sua vez está ligada à atmosfera, e esta se liga também à litosfera. Matéria sólida, líquida e gasosa se intercambia em um fluxo permanente, o que mantém esse sistema vivo: as poeiras do Saara alcançam as praças de Paris, após viajarem milhares de quilômetros; as águas dos pólos chegam às regiões equatoriais através das correntes marinhas; as emanações vulcânicas trazem para a superfície toneladas de materiais provenientes do interior da Terra; as variações de temperatura nas águas do Pacífico provocam alterações climáticas em toda a costa leste da América do Sul; a molécula d’água que hoje se encontra no interior de uma geleira no Pólo Norte já fez parte, no passado, da constituição da folha de uma castanheira secular cravada no meio da Floresta Amazônica. A biosfera surge, pois, dessa interação permanente, formando a teia da vida.
As cidades, territórios onde se concentra a população urbana do planeta, também constituem sistemas complexos. E, como tal, devem ser consideradas pelos administradores públicos, pelos profissionais que nelas atuam, pelos empreendedores que aplicam seus recursos para gerarem riqueza, pelos cidadãos que ocupam os seus espaços e que formam o chamado contingente populacional urbano. Os projetos de urbanização, as obras de esgotamento sanitário, os planos de drenagem, os projetos de captação e distribuição de água, enfim, toda e qualquer interferência feita no perímetro urbano e sua circunvizinhança deve levar em consideração as características desse “Sistema”.
Quando analisamos os problemas atualmente verificados nos centros urbanos, que interferem na qualidade de vida da população, observamos que eles são conseqüência do desequilíbrio causado pela ação humana no “Sistema Cidade”. Vejamos alguns exemplos que ilustram essa afirmação: os alagamentos constantes verificados em extensas áreas da cidade são reflexos da impermeabilização do solo; os riscos de desabamentos nas áreas de encostas refletem o desmatamento descontrolado e a ocupação desordenada do solo; a poluição dos rios, das lagoas e dos lençóis subterrâneos deve-se à descarga descontrolada de agentes contaminantes nos corpos d’água e no solo; o superaquecimento da cidade é decorrente das barreiras arquitetônicas que alteram o fluxo natural dos ventos.
A saúde da cidade só pode ser recuperada se pensarmos os núcleos urbanos como “Sistemas”. Faz-se necessária a recuperação do equilíbrio desses sistemas, para o bem dos povos das cidades. A ocupação de regiões como o San Vale e margens do rio Pitimbu, como reflexo do crescimento da nossa cidade, deve levar em conta os desequilíbrios que podem ser gerados no “Sistema Cidade do Natal”. Essas duas regiões caracterizam-se por estarem ligadas intimamente com a questão da preservação dos nossos mananciais de águas superficiais e subterrâneos. Ver a cidade como um “sistema” é diferente de olhar a cidade como apenas um território ocupado.
Retirado do livro "Pedagogia da Água"
Autor: João de Deus Souto Filho
Avaliando do ponto de vista tecnológico, não temos muitas dúvidas ao afirmarmos que as facilidades existentes nos dias atuais são muito maiores que no tempo dos nossos pais e dos nossos avós. Em outras palavras, temos hoje melhores condições de vida que os nossos antepassados. Se tomarmos como referência a época da revolução industrial, dispomos atualmente de uma gigantesca gama de facilidades que contribuem significativamente para a melhoria das condições de moradia, de transporte e de conforto da população. O mesmo ocorrendo nas áreas de saúde e educação, bem como em termos de amparos legais. Dispomos, por exemplo, de um sistema de leis que oferece ao cidadão muito mais garantias do que no passado, incluindo a proteção às minorias.