domingo, 29 de abril de 2012

Saber cuidar: alterando o cotidiano para melhor


               Participar da construção de um mundo melhor. Quem não gostaria de dar a sua contribuição? A busca da felicidade pode ser traduzida como a busca pelo bem-estar. E o estar bem, dentre outras coisas, envolve relações harmônicas, equilibradas, com o meio físico em que vivemos. A cidade é o nicho ecológico de todos nós, seres urbícolas. O campo é o nicho ecológico da nossa população rural. 
Preocupado com o exercício saudável da cidadania, Leonardo Boff, no livro “Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela Terra”, alerta-nos para o fato de que é preciso tomarmos consciência do nosso papel no planeta como seres dotados de inteligência e razão. Para ele, é preciso que abramos os nossos corações e mentes com o objetivo de resgatar valores perdidos ao longo da história humana, que serão a chave para a manutenção da qualidade de vida nesse que é o único espaço disponível para construirmos os nossos sonhos e os das gerações futuras. E para isso é necessário que coloquemos em prática a filosofia do "Saber Cuidar".
Da mesma forma como cuidamos das nossas famílias, precisamos saber cuidar da nossa casa, do nosso bairro, da nossa cidade, do nosso estado, do nosso país e, por fim, do nosso planeta. Da mesma forma  que atentamos para as nossas relações familiares, é preciso atentarmos para as nossas relações com a sociedade, com os meios produtivos, com as autoridades que administram os bens públicos, com os órgãos que nos representam e com o meio natural em que fixamos as nossas raízes e edificamos as nossas obras.
Em cada uma dessas diferentes escalas, precisamos assumir as nossas responsabilidades, "cuidando" daquilo que nos diz respeito e que diz respeito aos nossos semelhantes. Como seres sociais, devemos buscar a nossa felicidade sem que para isso comprometamos a felicidade dos outros. E como usuários dos bens naturais, necessitamos praticar o ato de usar sem degradar aquilo que a natureza nos disponibiliza. São esses os fundamentos da ética, ou do fazer e agir eticamente. Fora desses princípios fundamentais, o que existe é retórica.
Para aqueles que acreditam na possibilidade de atuar como agente de transformação da sociedade, fazendo da ética um exercício cotidiano, deixamos este pequeno fragmento, retirado de Leonardo Boff, para reflexão : "Diante do rio Amazonas ficamos totalmente fascinados, fazemos a experiência da majestade. Ao penetrar na floresta, contemplamos sua inigualável biodiversidade e ficamos aterrados diante da imensidão de árvores, de águas, de animais e de vozes de todos os timbres, fazemos a experiência da grandeza. Diante dessa grandeza, sentimo-nos um bicho frágil e insignificante irrompendo em nós o temor e o respeito silencioso, fazemos a experiência da limitação e da ameaça"
Se nos propomos a mudar o estado das coisas, precisamos correr riscos e precisamos também retirar do fundo do baú aquela gana, aquela raça que tínhamos na nossa juventude. Precisamos mais, ainda: é fundamental que nos ergamos das nossas confortáveis poltronas, que abramos as portas dos nossos palácios, e que coloquemos o pé na estrada, na busca da grande utopia, que só depende de nós. O nosso fazer cotidiano é a herança que deixamos para as gerações futuras.
O mundo que projetamos como ideal não é feito de boas intenções, ele é construído tijolo a tijolo, ele é produto das nossas ações cotidianas. Não precisamos realizar atos heróicos ou mesmo nos distanciarmos dos nossos afazeres diários para contribuirmos de forma efetiva com o processo de melhoria da qualidade de vida ou de aperfeiçoamento das instituições. O pouco que fizermos já será de grande valia. Pior é esperar que algum salvador da pátria o faça por nós.
Retirado do livro "Pedagogia da Água"
Autor: João de Deus Souto Filho

quarta-feira, 18 de abril de 2012

A cidade dos meus sonhos

O sonho da cidade ideal é sonhado por muitos. Este sonho, que é vontade coletiva, faz parte dessa grande teia da vida, onde a urbe transforma-se em organismo que pulsa, que pensa, que almeja o equilíbrio. Transformar sonho em realidade não é tarefa fácil. Exige vontade, esforço continuado e acima de tudo perseverança. Um traço que marca o perfil dos vencedores, particularmente daqueles que ousaram transformar a sociedade para melhor, é a perseverança. E só perseveram aqueles que acreditam em um ideal, aqueles que crêem no poder transformador do ser humano. Portanto, se acreditamos na possibilidade de construção da cidade dos nossos sonhos, precisamos exercitar a perseverança que, em termos práticos, significa trabalhar permanentemente para a efetivação desse ideal.

O primeiro passo, nessa longa caminhada, envolve a formação de uma consciência coletiva de valorização do espaço urbano, de valorização da cidade como território sagrado onde podemos garantir a nossa qualidade de vida. Nessa etapa, é fundamental a participação de todos aqueles que são detentores de conhecimentos sobre os elementos que compõem o “Sistema Cidade”: dos geólogos, que conhecem o substrato rochoso sobre o qual a cidade se implanta; dos arquitetos e engenheiros urbanísticos, que projetam a forma de ocupação do solo e as artérias de escoamento da cidade; dos profissionais sanitaristas (médicos e engenheiros), que esboçam e implementam os sistemas de “higiene” da cidade; dos profissionais que cuidam do abastecimento de água, elemento crucial para a sobrevivência da cidade; dos engenheiros elétricos, que desenham e colocam em funcionamento as redes elétricas que abastecem a cidade de energia elétrica; enfim, de todos os profissionais que dão suporte à chamada infraestrutura urbana.

A idéia básica é que nesta etapa de conscientização o conhecimento especializado alcance as diferentes camadas da população. E para que isso ocorra, necessita-se criar mecanismos de divulgação do saber especializado sobre o “Sistema Cidade”. O povo precisa saber, por exemplo, o seu papel como agente de preservação dos mananciais de água potável; a população precisa ter consciência da necessidade de preservação das áreas verdes da Cidade; os empresários da construção civil devem ser bem informados sobre as vulnerabilidades do ambiente urbano. Para tal, faz-se necessário envolver os profissionais de comunicação, a mídia local, as universidades, a secretaria de educação, sob a coordenação do poder público, numa campanha permanente de educação do cidadão para os cuidados que a Cidade necessita. Esse projeto educativo deve ter visão de longo prazo, deve ter garantias legais e institucionais de continuidade.

O passo seguinte diz respeito à construção de um novo paradigma participativo. O cidadão precisa participar mais do processo de construção (ou reconstrução) da Cidade. O cidadão, após tomar consciência do seu papel como agente de mudança, estará mais presente nas ações de melhorias da Cidade, deixando de delegar exclusivamente este trabalho para os administradores públicos, que historicamente não têm desempenhado bem esse papel.

Precisamos ser mais exigentes com respeito à ação do Estado nos destinos da Cidade. Órgãos como Conselho Municipal de Planejamento Urbano e Meio Ambiente, Conselho Municipal de Saneamento Básico; Conselho Municipal de Saúde; Conselho Estadual de Meio Ambiente; Conselho Estadual de Recursos Hídricos, precisam ter representantes legítimos dos diferentes segmentos da sociedade, comprometidos com desenvolvimento sustentado da Cidade. Quando abrimos mão dessa representatividade, entregamos os destinos da administração pública e da aplicação dos recursos existentes nas mãos de pessoas que muitas vezes não estão interessadas no bem coletivo.

O cidadão consciente precisa dar um salto de qualidade no seu envolvimento com os problemas da Cidade, precisa deixar de conjugar exclusivamente o verbo “reclamar”, passando a exercitar mais intensamente o verbo “participar”. Participação é, de fato, a palavra chave. Porém deve ser uma participação ativa, vigorosa, diferente daquela que muitos acham que já exercitam, que é a participação como “ouvintes”. Devemos participar como atores, como atores principais, nessa árdua tarefa de construir uma cidade melhor, de construir a cidade dos nossos sonhos.

Retirado do livro "Pedagogia da Água"

Autor: João de Deus Souto Filho

terça-feira, 10 de abril de 2012

O sistema que a cidade é

Quem estuda seriamente a questão da sustentabilidade afirma de modo categórico: o planeta Terra deve ser considerado como um sistema. Sabe-se que tudo está interligado nesse mega-sistema planetário. A litosfera está ligada à hidrosfera, que por sua vez está ligada à atmosfera, e esta se liga também à litosfera. Matéria sólida, líquida e gasosa se intercambia em um fluxo permanente, o que mantém esse sistema vivo: as poeiras do Saara alcançam as praças de Paris, após viajarem milhares de quilômetros; as águas dos pólos chegam às regiões equatoriais através das correntes marinhas; as emanações vulcânicas trazem para a superfície toneladas de materiais provenientes do interior da Terra; as variações de temperatura nas águas do Pacífico provocam alterações climáticas em toda a costa leste da América do Sul; a molécula d’água que hoje se encontra no interior de uma geleira no Pólo Norte já fez parte, no passado, da constituição da folha de uma castanheira secular cravada no meio da Floresta Amazônica. A biosfera surge, pois, dessa interação permanente, formando a teia da vida.

As cidades, territórios onde se concentra a população urbana do planeta, também constituem sistemas complexos. E, como tal, devem ser consideradas pelos administradores públicos, pelos profissionais que nelas atuam, pelos empreendedores que aplicam seus recursos para gerarem riqueza, pelos cidadãos que ocupam os seus espaços e que formam o chamado contingente populacional urbano. Os projetos de urbanização, as obras de esgotamento sanitário, os planos de drenagem, os projetos de captação e distribuição de água, enfim, toda e qualquer interferência feita no perímetro urbano e sua circunvizinhança deve levar em consideração as características desse “Sistema”.

Quando analisamos os problemas atualmente verificados nos centros urbanos, que interferem na qualidade de vida da população, observamos que eles são conseqüência do desequilíbrio causado pela ação humana no “Sistema Cidade”. Vejamos alguns exemplos que ilustram essa afirmação: os alagamentos constantes verificados em extensas áreas da cidade são reflexos da impermeabilização do solo; os riscos de desabamentos nas áreas de encostas refletem o desmatamento descontrolado e a ocupação desordenada do solo; a poluição dos rios, das lagoas e dos lençóis subterrâneos deve-se à descarga descontrolada de agentes contaminantes nos corpos d’água e no solo; o superaquecimento da cidade é decorrente das barreiras arquitetônicas que alteram o fluxo natural dos ventos.

A saúde da cidade só pode ser recuperada se pensarmos os núcleos urbanos como “Sistemas”. Faz-se necessária a recuperação do equilíbrio desses sistemas, para o bem dos povos das cidades. A ocupação de regiões como o San Vale e margens do rio Pitimbu, como reflexo do crescimento da nossa cidade, deve levar em conta os desequilíbrios que podem ser gerados no “Sistema Cidade do Natal”. Essas duas regiões caracterizam-se por estarem ligadas intimamente com a questão da preservação dos nossos mananciais de águas superficiais e subterrâneos. Ver a cidade como um “sistema” é diferente de olhar a cidade como apenas um território ocupado.

Retirado do livro "Pedagogia da Água"

Autor: João de Deus Souto Filho

segunda-feira, 2 de abril de 2012

O mundo moderno é um mundo melhor?

Avaliando do ponto de vista tecnológico, não temos muitas dúvidas ao afirmarmos que as facilidades existentes nos dias atuais são muito maiores que no tempo dos nossos pais e dos nossos avós. Em outras palavras, temos hoje melhores condições de vida que os nossos antepassados. Se tomarmos como referência a época da revolução industrial, dispomos atualmente de uma gigantesca gama de facilidades que contribuem significativamente para a melhoria das condições de moradia, de transporte e de conforto da população. O mesmo ocorrendo nas áreas de saúde e educação, bem como em termos de amparos legais. Dispomos, por exemplo, de um sistema de leis que oferece ao cidadão muito mais garantias do que no passado, incluindo a proteção às minorias.
A sociedade agrícola que dominou os séculos XVI e XVII cedeu lugar à sociedade industrial dos séculos XVIII, XIX e XX, que por sua vez está cedendo espaço, nesta virada de milênio, para a sociedade da informação. Hoje, os avanços tecnológicos se processam num ritmo inimaginável há quatro décadas atrás. A ciência moderna se desenvolve numa velocidade espantosa, e as conquistas obtidas são compartilhas quase que em tempo real por todas as comunidades científicas do planeta.
Tudo parece estar caminhando na direção certa, em termos de desenvolvimento, não fossem alguns sinais de que algumas estratégias adotadas pelo ser humano estão causando impactos extremamente danosos para a saúde do planeta, colocando em risco a preservação das gerações futuras. Na ânsia de ocupar os melhores espaços disponíveis na superfície da Terra, o ser humano promoveu uma verdadeira devastação dos recursos naturais, causando desequilíbrios significativos no ecossistema planetário: (a) na Europa, Ásia e América do Norte, promoveu-se a dizimação de quase todas as florestas primitivas, e o pouco que resta está em processo de degradação; (b) nos grandes centros urbanos, quase cem por cento dos cursos d’água estão comprometidos em função da poluição doméstica e industrial; (c) o efeito estufa é hoje uma preocupação mundial, resultado do descontrole na emissão de gases danosos à atmosfera do planeta; (d) o êxodo rural é uma realidade na maioria dos países em desenvolvimento, o que compromete significativamente a qualidade de vida nas grandes metrópoles, envolvendo problemas de violência, saúde, habitação e transporte.
Em síntese, os avanços tecnológicos não têm dado conta dessa ocupação desordenada, desse desequilíbrio causado pela ganância humana. E tal comportamento deve ser avaliado considerando o contexto do “fazer ético”, uma vez que as ações desenvolvidas pelas empresas ou corporações têm no seu nascedouro o “fazer individual”, seja na área técnica, seja na gerencial. O profissional cidadão tem claro na sua mente que toda ação executada, independente da sua dimensão ou abrangência, é resultado de uma decisão individual. Em outras palavras, se algo foi feito é porque alguém fez (o seu executor direto) ou porque alguém mandou fazer (o administrador, o governante, o empresário ou o representante de um grupo de pessoas). Quando o dono (ou administrador) de uma indústria decide descartar os efluentes industriais da sua unidade de produção diretamente em um determinado corpo d’água (rio ou lagoa), sem nenhum tipo de tratamento, também é uma decisão individual. Quando um engenheiro ou projetista faz opção por um determinado tipo de filtro a ser colocado na chaminé de uma fábrica, menos eficiente e mais barato, também está tomando uma decisão individual. Mesmo que esse trabalho esteja sendo realizado por uma equipe técnica, sempre haverá um líder ou responsável técnico que dará a palavra final. Dentro desse contexto, somos co-responsáveis por todos os impactos que uma determinada obra possa causar, tanto às comunidades quanto ao meio ambiente. Se almejamos construir um mundo melhor, se acreditamos na possibilidade de melhorar a qualidade de vida no planeta, é fundamental assumirmos que somos todos responsáveis.

Retirado do livro "Pedagogia da Água"
Autor: João de Deus Souto Filho