domingo, 6 de julho de 2008

O valor que a água tem

Cobrança pelo uso da água. Esse é um tema que está na ordem do dia das secretarias de recursos hídricos e agências de água da maioria dos estados brasileiros. Os especialistas em mercado estão desenvolvendo estudos, testando hipóteses, aplicando as teorias mais modernas de economia, visando obter o valor econômico da água.
Qual o valor que deve ser cobrado por cada litro de água retirado dos mananciais superficiais e subterrâneos? A água está sendo analisada como um bem de mercado, pura e simplesmente. Os economistas estão tratando a água como uma mercadoria que precisa ser valorada para comercialização. Quem consome água mineral já faz parte do mercado da água, com direito a rótulo e selo de garantia.
Essa visão mercantilista nos leva a refletir sobre uma questão crucial, relacionada com o significado da água para as nossas vidas. E aí somos levados a rever o nosso conceito de valor. Qual o valor de um litro d’água para uma pessoa que vive, por exemplo, no semi-árido nordestino e que precisa caminhar vinte quilômetros para conseguir água em um barreiro imundo, de onde ele retira o líquido precioso para matar a sede da sua família? Por outro lado, qual o valor de um litro d’água para uma pessoa que reside em Natal e que não se preocupa com o desperdício desse líquido precioso, enquanto lava o seu carrão último modelo, na porta de casa, com a mangueira aberta a todo vapor? E para um morador das Rocas, ou das margens do Potengi, que está prestes a se contaminar com o vírus da Hepatite, ao tomar banho nas proximidades do local onde a CAERN despeja os esgotos da cidade? Ou, ainda, qual o valor que a água tem para uma indústria que capta água da lagoa de Extremoz, para uso no seu processo produtivo, e depois a devolve para a mesma lagoa na forma de esgoto industrial?
Para a família do semi-árido que convive com a realidade da escassez de água, a sua disponibilidade pode significar a diferença entre a vida e a morte. Portanto, para eles, trata-se de um produto de alto valor (no sentido mais amplo do termo). Já para a pessoa que desperdiça água enquanto lava o seu carro, a escala de valor é insignificante. Para esse tipo de usuário é indiferente gastar dez ou duzentos litros na limpeza do seu carro. Por outro lado, para o morador das margens do Potengi, o contato direto com água contaminada pode significar o comprometimento da sua saúde pelo resto da vida. Para o Estado isso pode representar gastos significativos na área de saúde pública. E, por fim, para o empresário da indústria que despeja seus efluentes industriais na lagoa, sem nenhum tipo de tratamento, a água só tem algum valor no momento da sua captação, quando se encontra limpa. Depois de usada, passa a ser tratada como material de descarte, como produto que não tem valor nenhum.
Considerando que os sistemas de abastecimento de água das metrópoles brasileiras encontram-se à beira do colapso e que os mananciais de água potável localizados próximos dos centros urbanos estão cada vez mais degradados, faz-se necessária uma revisão profunda sobre o valor que a água tem. Mais do que um produto de consumo, a água é um bem natural que faz parte do ciclo da vida no nosso planeta. A nossa qualidade de vida depende essencialmente da disponibilidade de água própria para o consumo humano. Sem água de boa qualidade não existe futuro digno, nem tampouco estabilidade social para as gerações futuras. Os mecanismos que estão sendo criados para cobrança pelo uso da água talvez sejam o “remédio amargo” de que a sociedade brasileira esteja necessitando para tomada de consciência sobre o valor que a água tem. Alegam os economistas e demais defensores da cobrança pelo uso da água que os recursos arrecadados serão aplicados em projetos de recuperação e preservação dos mananciais superficiais e subterrâneos de água. Se vamos, no futuro próximo, pagar pelo uso da água, precisamos criar mecanismos de controle que garantam a aplicação adequada desses recursos. Mais importante seria aproveitarmos esse evento para revermos os nossos conceitos sobre o valor que a água tem.

Retirado do livro "Pedagogia da água - sobre o papel do cidadão na proteção dos recursos hídricos"
Autor: João de Deus Souto Filho (Natal-RN)

sábado, 5 de julho de 2008

O planeta produz água limpa, o homem cuida de sujá-la

"Não existe produção de água nova no planeta Terra". Essa afirmativa, feita pelos cientistas que estudam os recursos hídricos, pode soar estranho aos nossos ouvidos. Na verdade, os pesquisadores que investigam a origem da água no planeta Terra são unânimes em afirmar que praticamente não existe a produção de novos volumes de água pela natureza. Toda a água disponibilizada para uso é reciclada de forma natural como parte de um mecanismo de circulação denominado "ciclo hidrológico".
Nosso planeta dispõe de processos extremamente diversificados para a purificação e renovação das águas que circulam na sua superfície ou que percolam as rochas do subsolo. Os mais conhecidos de todos são os processos de evaporação e transpiração, que respondem pela circulação da água na forma de vapor através da atmosfera que envolve o planeta. Água esta que é devolvida para a superfície através das chuvas. Os terrenos permeáveis, por sua vez, atuam como filtros naturais purificando as águas que vão dar origem aos lençóis subterrâneos. Os manguezais, dentre as suas inúmeras funções, atuam como filtros para as águas continentais que escoam para os oceanos. Nos lagos e nos rios existem plantas e animais, incluindo organismos microscópicos, que atuam como verdadeiros "garis" promovendo a limpeza da água de forma contínua e persistente. É a atuação harmônica de todos esses mecanismos que possibilita a renovação da água no nosso planeta, formando uma rede eficiente de preservação dos mananciais de águas superficiais e subterrâneas.
Infelizmente, o homem moderno, com suas ações predatórias ao meio ambiente, está contribuindo para a destruição desses mecanismos naturais de purificação da água, dentre as quais podemos destacar: o lançamento de esgotos domésticos e industriais nos nossos rios e lagoas; o uso indiscriminado de defensivos agrícolas (herbicidas e pesticidas) que contaminam as águas superficiais e subterrâneas; os desmatamentos irresponsáveis; a destruição dos manguezais ao longo do nosso litoral; a emissão diária de toneladas de agentes poluidores na atmosfera.
Vestígios de medicamentos veterinários e humanos estão sendo detectados com freqüência cada vez maior nos rios e reservatórios de água potável de todos os continentes. Estudo realizado em Berlim, Alemanha, no ano de 1999, revelou a presença de antibióticos, hormônios e produtos utilizados em quimioterapia. Em Londres, foram detectados cerca de 170 medicamentos, nas águas do rio Lea, variando de aspirina até derivados da morfina. Foram encontrados vestígios do antrazine, um tipo de herbicida utilizado na cultura do milho, nas águas minerais engarrafadas e comercializadas na França. Para ficarmos em apenas um exemplo local, a contaminação das águas subterrâneas da Região Metropolitana de Natal, por nitrato, já alcança níveis preocupantes, sendo confirmada por inúmeros estudos. Também já foi constatada a presença de metais pesados nas águas do rio Pitimbu.
Até as águas das chuvas estão sendo contaminadas: pesquisadores suíços comprovaram que as águas das chuvas do continente europeu apresentam níveis extremamente elevados de poluição por pesticidas, e recente estudo conduzido pela UNICAMP revelou a presença de metais pesados nas águas de chuva da região de Campinas/SP. Em síntese, estamos destruindo ou saturando, aos poucos e de forma contínua, todos aqueles mecanismos que a mãe natureza criou para purificar as águas do nosso planeta. As gerações futuras pagarão um preço muito alto para corrigirem esse desvio de comportamento, característico do homem moderno.

Retirado do livro "Pedagogia da Água - Sobre o papel do cidadão na preservação do recursos hídricos"
Autor: João de Deus Souto Filho (Natal-RN)