Sobre a Privatização do Aquífero Guarani
Segundo denúncias noticiadas pela
mídia brasileira, o governo Temer está negociando com a Nestlé e a Coca-Cola a
privatização das fontes de água potável no brasil. Dentre estas fontes, tem
merecido destaque o Aquífero Guarani, que contém uma das maiores reservas de
água potável subterrânea do planeta.
Segundo matéria publicada no
jornal Correio do Brasil, na sua edição de 29 de janeiro de 2018, o presidente
Michel Temer teria tido um encontro reservado, durante o Forum Econômico
Mundial, em Davos, com o presidente da Nestlé, Paul Bulcke, para tratar do tema
“água”.
Nessa mesma matéria do jornal
Correio do Brasil, é feita referência ao artigo elaborado pelo renomado
ativista ambiental norte-americano, Franklin Frederick, que também participou
do Forum Econômico Mundial, onde é dito que:
“Temer teve encontros privados com o Presidente Global da Ambev, Carlos
Brito; e com o CEO da Coca-Cola, James Quincey. Temer também encontrou o CEO da
Dow Chemical, Andrew Liveris. A água é a principal matéria prima utilizada pela
Coca-Cola e pela Ambev. E ‘por coincidência’, Andrew Liveris faz parte do
‘Governing Council’ do Water Resources Group –WRG – a iniciativa da Nestlé;
Coca-Cola e Pepsi para privatizar a água através de parcerias público-privadas.
No site oficial do WRG, Andrew Liveris aparece ao lado do ex-CEO da Coca-Cola
Muhtar Kent – outro membro do ‘Governing Council’ do WRG”.
Não precisamos chamar a atenção
de que a matéria prima mais importante para as empresas referenciadas acima é a
“água potável”. Dito isso, fica fácil entender que as denúncias feitas quanto
ao interesse de privatização da água no Brasil tem algum fundo de verdade.
Do ponto de vista técnico, vale
ouvir a voz de um especialista em água subterrânea. Me refiro
ao geólogo e professor emérito da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Luiz Fernando Scheibe, que, em
entrevista concedida à revista Rede Brasil Atual (RBA), externou a sua
preocupação quanto ao aquífero Guarani. Ele diz:
“Nossa preocupação maior é com os aquíferos Guarani e Serra Geral, este
último é um aquífero que está sobre o Guarani. O acesso à água é considerado
direito fundamental de todos os seres humanos. Falar em privatização de
qualquer fonte de água é algo que foge ao conceito de direito humano
fundamental da água. Quanto à privatização de uma determinada fonte de água,
não existe normalmente uma privatização, mas uma possibilidade de outorga, que
é uma concessão feita pelo Estado”.
E complementa, ressaltando que “o aquífero continua sendo uma reserva
estratégica”, com a seguinte ressalva:
“O acesso a essa água deve ser sempre público e não pode ser
privatizado. A água não deve ser concedida de jeito nenhum. Ainda que exista a
possibilidade de outorga para determinados usos, desde que eles não comprometam
o acesso das outras pessoas. No caso do Aquífero Guarani, por causa da
extensão, o grande problema é o uso localizado do aquífero. Vamos tomar como
exemplo a cidade de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Essa cidade está
localizada sobre uma área de afloramento do aquífero. Uma parte da área tem
cobertura pelo outro sistema aquífero, que é o Serra Geral. Em Ribeirão, estão
fazendo uso tão intenso que, ao cabo de 50 anos de exploração, o nível da água
dentro do aquífero já baixou mais de 60 metros. Isso significa que a reserva
disponível está diminuindo drasticamente”.
Na matéria do dia 17/10/2016, do Correio
do Brasil, o professor Scheibe afirma que “os
riscos de o Estado outorgar o direito de exploração dos aquíferos brasileiros
são reais. E encontram precedentes aqui mesmo, na América Latina”.
Segundo Scheibe, “o principal país que tem grandes problemas
com relação à privatização da água é o Chile. Lá a ditadura do Pinochet
realmente privatizou todas as fontes de água. Hoje, toda a água é objeto de
negociação e não há garantia de acesso para a população em geral.”
E outro alerta é feito nessa
mesma entrevista, sobre “os riscos da
exploração desmedida, que poderá ocorrer caso empresas de grande porte assumam
essas outorgas do Estado, estão no fato de que o aquífero é um sistema de
difícil proteção”.
Nas palavras do professor
Scheibe, “Importante a gente ter clareza
do que é o aquífero – uma rocha que contém água nos seus poros ou em suas
fraturas - não se trata de um corpo de água, mas de um corpo de rocha que
contém água. E o movimento da água dentro do aquífero é extremamente lento.
Enquanto em um rio a água se movimenta em metros por segundo, dentro do
aquífero a água se movimenta em velocidade de metros por ano”. Daí a necessidade de se ter um gerenciamento
cuidadoso quando da retirada de água de um determinado aquífero, pois se algum
dano for causado naquele reservatório de água subterrânea, como por exemplo a explotação predatória, poderá necessitar de
séculos para a sua adequada recuperação.
1 Comentários:
Parabéns meu amigo Souto por este post. Muito importante nos mantermos atentos à questão da água.
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