domingo, 26 de janeiro de 2014

Somos todos iguais perante a água


          O mundo no qual vivemos é pródigo em desigualdades. Existe a desigualdade natural e existe a desigualdade induzida. No mundo animal, por exemplo, a desigualdade pode ser medida pela posição de um determinado ser na cadeia alimentar. Outros poderiam classificar a desigualdade natural como a maior ou menor adaptabilidade de um ser quanto as condições de garantir a sua sobrevivência.

Porém, me preocupa mais a desigualdade induzida. Aquela provocada intencionalmente, em função de diferenças raciais, culturais, econômicas e culturais. Para alguns economistas, o desenvolvimento de um país é inversamente proporcional às suas desigualdades.

No Brasil, por exemplo, reina a desigualdade de norte a sul, de leste a oeste. As desigualdades são marcas registradas nos estados mais pobres da Federação, da mesma forma que se apresentam escancaradas nos estados mais ricos, como em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

A desigualdade é gerada pelo preconceito que, por sua vez, gera a discriminação, que produz os conflitos entre as classes sociais e que culmina na segregação. Na verdade, a desigualdade pode vir a ser geradora do preconceito e da discriminação.

É importante saber diferenciar a desigualdade da diferença. O respeito à diferença, quando ele é socializado, leva à redução das desigualdades. Porque o respeito à diferença produz a ação solidária. E no universo da desigualdade, onde a segregação se agiganta, passa a dominar a lei do “salve-se quem puder”.

A água que é a mãe da vida no nosso planeta nos mostra a todo instante que somos todos iguais perante ela.

A água nos serve igual, independente da nossa raça, condição econômica, social ou cultural. Ela mata, de modo igual, a sede do pobre e do rico. Ela limpa as nossas sujeiras independente da nossa condição social ou cultural. Ela se coloca à nossa disposição no campo e na cidade.
          Até nas tragédias a água nos trata com igualdade: nos episódios recentes ocorridos no Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo, a água atingiu ricos e pobres, doutores e analfabetos, poderosos e desvalidos. Uma grande mansão construída no vale de um rio tem o mesmo risco de ser alagada que um pequeno barraco de madeira. As grandes propriedades que ruiram, nos deslizamentos ocorridos em Angra dos Reis, em consequência das chuvas, estavam instaladas em encostas, da mesma forma que inúmeros barracos que foram consumidos pela lama.

Interessante registrar que depois das tragédias, vemos o espírito da solidariedade aflorando em todas as partes. É a água nos igualando para o bem, para a ação solidária.
            Precisamos aprender mais com a água. Ela nos ensina a entender as diferenças e reduzir as desigualdades.  

domingo, 19 de janeiro de 2014

Água: um breve balanço hídrico

O volume total de água na Terra é estimado em 1,4 bilhões de quilômetros cúbicos.

Destes, 97,5% são de água salgada (1,35 bilhões de quilômetros cúbicos) e apenas 2,5% são de água doce (34,6 milhões de quilômetros cúbicos).

Do total de água doce do planeta, 30,2% (10,5 milhões de quilômetros cúbicos) podem ser utilizadas para a vida vegetal e animal, enquanto 69,8% se encontram em geleiras e solos gelados.

Dos 10,5 milhões de quilômetros cúbicos de água doce, 98,7% (10,34 milhões de quilômetros cúbicos) correspondem à parcela de água subterrânea, e apenas 92,2 mil quilômetros cúbicos (0,9%) correspondem ao volume de água doce superficial (rios e lagos), diretamente disponível para as demandas humanas — ou 0,008% do total de água no mundo.

Os maiores volumes de recursos hídricos renováveis em todo o planeta estão concentrados em seis países: Brasil, Rússia, USA, Canadá, China e Indonésia.

Os recursos hídricos no mundo são assim empregados:

- 70% para a agricultura;

- 22% para indústria;

- 8% para residências

Muitos países em desenvolvimento dependem excessivamente da irrigação. Em uma análise feita pela FAO em 93 países, concluiu-se que 18 deles usam agricultura irrigada em mais de 40% de sua área cultivada; outros 18 países irrigam de 20 a 40% de suas áreas agrícolas. Ao todo, 12% das terras cultivadas no mundo são irrigadas e produzem 30% da colheita mundial.

Regiões do planeta onde há maior deficiência de água:

- África: Saara (9.000.000 km2), Kalahari (260.000 km2);

- Ásia: Arábia (225.500 km2), Gobi (1.295.000 km2);

- Chile: Atacama (78.268 km2).

O "estresse de água", que segundo a ONU equivale a uma oferta de água doce inferior a 1.000 m³/habitante/ano, já ocorre em países como Quênia (590 m3/hab/ano), Tunísia (530 m3/hab/ano), Israel (470 m3/hab/ano) e Qatar (50 m3/hab/ano). No Brasil, os estados mais próximos de alcançarem a condição de “estresse de água” são a Paraíba, que tem 1.394 m3/hab/ano e Pernambuco que apresenta o valor de  1.270 m3/hab/ano.
 
Fontes: Organização das Nações Unidas (ONU), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Organização Mundial de Saúde (OMS), Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), Agência Fapesp, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, (Embrapa), Agência Nacional da Água (ANA). Ver publicação completa em http://www.tnsustentavel.com.br/relatorio_agua.pdf

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Chuvas e melhorias nas cidades

            A chuva põe à tona as mazelas da cidade. Todo o lixo escondido embaixo do tapete, a falta de cuidado com a coisa pública, as obras prometidas e não realizadas, o descuido com a infra-estrutura da cidade, o descontrole da ocupação dos espaços nas áreas urbanas, tudo isso explode, como problema que afeta a todos, quando chove um pouco acima da conta.
 
            Na semana que passou, algumas cidades do sudeste experimentaram mais uma crise urbana. Não foram as crises da violência, da saúde, da educação, que já se transformaram em rotina, desta vez foi a crise da água em excesso. Nestas situações de muita chuva, a culpa recai sobre São Pedro, como se o santo que guarda as chaves do Céu quisesse nos castigar.
            Como nordestino oriundo do interior, carrego comigo os ensinamentos de meu avô José, lavrador criado sob o sol escaldante do sertão paraibano, que sabiamente dizia: a chuva é uma dádiva de Deus, um presente da natureza, e ela é sempre bem vinda porque sem ela perdemos a alegria de viver. Com meu saudoso avô, José Souto, também aprendi que a água bem gerenciada nunca se constitui em problema, ela sempre pode ser aproveitada para o bem comum. Essa regra simples tem aplicação tanto no campo quanto na cidade.
            Os casos ocorridos em São Paulo, Rio de Janeiro e Vitória, replicam a situação das demais metrópoles brasileiras, que não estão preparadas para conviver com chuvas torrenciais ou períodos chuvosos prolongados. E esta realidade reflete o descaso dos administradores públicos com o planejamento urbano, que necessita de projetos com visão de longo prazo, envolvendo a realização de obras de infra-estrutura e de ordenamento da ocupação dos espaços, que garantam o bem estar e a segurança dos habitantes das cidades.
            O gerenciamento da cidade passa pelo gerenciamento das águas superficiais e subterrâneas, o que inclui o gerenciamento das águas de chuva. Em suma, as dificuldades enfrentadas por nós nos períodos chuvosos não é um problema de excesso chuva, mas sim um problema de falta de ação preventiva, ou melhor dizendo, de adequação das obras de escoamento e armazenamento das águas pluviais à fisiografia  e geologia da cidade.
 
Se fôssemos apanhados a cada vinte anos por uma anomalia climática que provocasse chuvas fora do padrão normal, até que poderíamos aceitar a justificativa de que a cidade não estava preparada para tal. Acontece, no entanto, que todos os anos convivemos com os mesmos tipos de problemas provocados pelas águas do inverno ou mesmo pelas águas do verão, quais sejam: alagamentos, transtornos de tráfego, isolamento de trechos da cidade, buracos na via pública, desmoronamentos e tantos outros.
 
Essa repetição anual de fatos altamente previsíveis revela a falta de interesse dos administradores públicos em aplicar o conceito de “ação preventiva”. O que presenciamos, na realidade, é apenas a implementação de ações corretivas. Falta para a cidade um “plano de manutenção e melhorias”, de aplicação permanente e com visão de longo prazo. As cidades não podem viver de “operações tapa-buracos” ou de “obras emergenciais” que se repetem anualmente. Este ciclo vicioso só gera transtornos para o cidadão e prejuízos para os cofres públicos.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Acidentes naturais: a natureza não comete crimes

Os anos passam e as histórias envolvendo calamidades públicas se repetem.

Como no Brasil não existem grandes terremotos nem tampouco furacões, as nossas calamidades públicas estão quase sempre relacionadas com as chuvas.

Quando a chuva passa um pouco da conta temos os tenebrosos e repetidos alagamentos, quase sempre acompanhados de deslizamentos de terra.

Quando a chuva falta, temos as calamidades geradas pelo fenômeno da seca.

Particularmente em épocas de chuva os acidentes em obras civis e em áreas densamente ocupadas têm se multiplicado no país.

Quando tais eventos ocorrem, como sempre, sobram das autoridades públicas a rápida e cômoda justificativa: o calamidade deveu-se à intensidade das chuvas. É como se dissesse: só existe um culpado nesse caso, é a Mãe Natureza.

Acontece que as características e o histórico pluviométrico de todas as regiões brasileiras são bem conhecidos. As entidades de gestão pública, nas esferas federal, estadual e municipal, dispõem de uma série histórica que possibilita a antecipação de ações preventivas no tempo adequado. Aliado a isto, existe legislação que possibilita o ordenamento da ocupação do solo nas áreas urbanas e rurais. Na verdade, o que falta é vontade e comprometimento de se implementar projetos que garantam a segurança da população nas regiões de risco.

É sabido que nas regiões metropolitanas e nas áreas ribeirinhas existe um contingente populacional que está permanentemente exposto a riscos de inundação. Também é sabido que nas regiões de topografia acentuada existe um número significativo de famílias que está submetida a riscos elevados de deslizamentos. As autoridades públicas sabem onde e quando atuar. Contudo, quase nada é feito. E todos os anos a história se repete: muitas vidas são perdidas e prejuízos incalculáveis entram na conta dessas tragédias anunciadas.

Incriminar a natureza dos acidentes naturais que se repetem ano após ano é no mínimo uma injustiça. Como afirmo no título deste artigo, a natureza não comete crimes.

Que as lições de mais um ano de enchentes e deslizamentos sejam assimiladas e que as ações de prevenção sejam efetivadas como necessitam. Ações de prevenção exigem planejamento e implementação de projetos com visão de longo prazo. Prevenir é agir de modo antecipado, antes que o evento indesejado ocorra.