sábado, 31 de maio de 2014

O fator Geológico

            Existem vários fatores indutores de desenvolvimento: políticos, educacionais, geográficos, culturais, tecnológicos, macro e micro-econômicos, infra-estruturais, dentre tantos outros. Porém, existe um que tem sido negligenciado ao longo da história brasileira e que constitui a base do desenvolvimento sustentável de qualquer nação. Trata-se do Fator Geológico. Se tomarmos por base o conceito de que as principais riquezas de um país são os seus recursos naturais, não será difícil concluir que as geociências desempenham papel crítico na caracterização e quantificação dessas riquezas. O conhecimento geológico é a base para o desenvolvimento industrial, agropecuário e turístico.
            No campo industrial, é sabido que sem matéria-prima não existem condições de implantação de uma indústria forte e competitiva. No campo da agropecuária ocorre o mesmo, pois são diretamente dependentes da tipificação dos solos, da caracterização dos mananciais de águas superficiais e subterrâneas e da disponibilidade de fertilizantes e sais minerais para elevação dos níveis de produtividade do chamado agronegócio. No campo do turismo, a compreensão dos fenômenos formadores das paisagens naturais e dos sítios ecológicos, bem como a determinação da capacidade de carga dos parques naturais, dependem de um conhecimento adequado sobre a geologia dos terrenos onde essas atividades se desenvolvem.
  O Fator Geológico também tem sido negligenciado no planejamento urbano. A totalidade das metrópoles brasileiras enfrenta problemas de ocupação inadequada do solo, de esgotamento sanitário e de disponibilização de água potável para a população. Esses problemas estão diretamente relacionados à falta de estudos geológicos e à ausência de profissionais de geologia no planejamento urbano. Essa realidade é verificada em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Recife e Fortaleza, trazendo prejuízos gigantescos para a administração pública e comprometendo a qualidade de vida dos cidadãos. Em Natal, a metrópole potiguar, essa ausência da geologia no planejamento urbano se reflete na contaminação das nossas águas subterrâneas, nos freqüentes problemas de alagamentos e na ocupação de áreas de risco quanto aos aspectos de deslizamento de solo.
            Na semana em que se comemora o “dia do geólogo”, é importante ressaltar a contribuição que os profissionais de geologia podem oferecer para o crescimento sustentável do Brasil, considerando o Fator Geológico como indutor de desenvolvimento. O geólogo está habilitado a realizar trabalhos de mapeamento, exploração e lavra de recursos minerais. Também está preparado para efetuar estudos hidrológicos e hidrogeológicos, voltados para a investigação, prospecção, captação, controle, exploração e gestão dos recursos hídricos. Ele tem competência para identificar, estudar e controlar os fenômenos que afetam a conservação do meio ambiente. Pode atuar na elaboração e coordenação de planos e projetos de recuperação de espaços afetados por atividades extrativas, bem como tem atribuições para conduzir estudos e projetos de proteção e descontaminação de solos alterados por atividades industriais, agrícolas e antrópicas. E, dentre tantas outras competências, dispõe de conhecimento para realizar estudos de dinâmica costeira e efetuar trabalhos de regeneração de praias.
Em suma, o Fator Geológico constitui elemento crítico para a construção de uma economia forte e para a elaboração de um projeto de desenvolvimento que contemple o equilíbrio com o meio ambiente.
 
(*) Retirado do livro "Pedagogia da Água". Autor: João de Deus Souto Filho

terça-feira, 27 de maio de 2014

Desperdício em meio à crise

As autoridades já reconhecem que o sistema de abastecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo encontra-se à beira do colapso. O uso do “volume morto” do Sistema Cantareira, que parece estar solucionando a crise, só revela a fragilidade dos recursos disponíveis. Enquanto a crise avança vêm à tona problemas de descuido com o uso da água.

Recentemente foi noticiado na mídia paulistana que muitos moradores ainda são encontrados lavando seus carros com mangueiras abertas continuamente e que são freqüentes os casos de pessoas lavando as calçadas das casas com a famigerada “vassoura d’água”. Tais comportamentos revelam que a cultura do desperdício está no sangue de muitos cidadãos e que o conceito de preservação dos recursos hídricos ainda não foi assimilado.

Outro dado assustador diz respeito ao desperdício de água tratada relacionado com vazamentos na rede de distribuição. Para se ter uma idéia da magnitude desse desperdício, basta citar que “toda a água que foi desperdiçada ao longo de 2013 com vazamentos no Estado de São Paulo daria para abastecer a capital paulista durante quase quatro meses”. Essa constatação foi feita pela reportagem do UOL, analisando os dados reportados pela SABESP (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) que disponibilizou  mais de 3 bilhões de m³ de água para o abastecimento do estado.

Segundo a Sabesp, essa água foi perdida por causa de vazamentos entre as estações de tratamento e as residências dos consumidores. Em nota A Sabesp justificou que "esses vazamentos ocorrem, principalmente, devido ao envelhecimento das tubulações e às elevadas pressões".  A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo implementou, em 2009, o “Programa Corporativo de Redução de Perdas de Água”, que prevê a aplicação de R$ 5,9 bilhões até 2020, a fim de atingir, no final da década, níveis de perdas dos melhores sistemas mundiais, em torno de 16,6%.

Que a crise da água possa nos ensinar a reduzir o desperdício, independente da classe social ou do grau de escolaridade de cada cidadão.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Água: o fluido divino

            Desde os tempos que precederam o Cristianismo, a água tem exercido o seu papel de agente purificador, depurando as sujeiras, materiais e espirituais, produzidas pelo ser humano. Ao longo da história, a água tem sido utilizada como o fluido divino que participa dos rituais de iniciação, de celebração e de culto ao sagrado. O batismo, que representa um renascer espiritual, associado com a purificação de todas as culpas e pecados, é feito com água. Na cerimônia litúrgica do lava-pés, lá está ela mais uma vez desempenhando o seu papel de agente purificador. E quando chega a morte do corpo físico, somos banhados e benzidos com a água da despedida desse mundo material do qual nos desligamos.

Quando estamos sendo preparados para a vida terrena, nos ventres de nossas mães, ficamos nove meses imersos no líquido amniótico, que é composto essencialmente por água. Ao nascermos, nossa primeira higiene é feita com esse fluido maravilhoso que nos acompanhará por toda a nossa existência. Além de sermos “filhos da água”, somos água por excelência, uma vez que nosso corpo é constituído na sua maior parte por moléculas de água. Somos na verdade reservatórios de água que participam do ciclo hidrológico, pois somos consumidores, armazenadores e produtores de água.

Fonte da vida, a água foi o elemento-chave para tornar o nosso planeta habitável. Ela também atua como principal agende modelador da face do planeta, criando paisagens que nos deliciam e dão prazer: o recorte das montanhas, o desenho dos vales, as escarpas litorâneas, as enseadas paradisíacas, as cavernas e suas formas sutis são produtos da ação da água sobre a superfície do planeta, atuando como o cinzel do Criador.

            A natureza fluídica da água lhe concede características muito especiais. As grandes massas d’água (os rios, os lagos, os mares e os oceanos) são como mantos sagrados que recobrem o corpo da mãe terra. A água envolve desde os grandes blocos de rochas até os minúsculos grãos de areia que compõem o leito dos rios, como se fossem mãos delicadas acariciando o filho querido. E sentimos essa sensação de aconchego quando nos colocamos debaixo do chuveiro ou quando nos banhamos numa lagoa, ou mesmo quando mergulhamos nesse mar atlântico da costa brasileira. As águas do nosso convívio diário são as mãos de Deus que nos afagam durante o banho, que nos alivia das dores, que nos livra das impurezas.

Se, através da religião, nos aproximamos do divino, através do uso descuidado da água nos aproximamos do profano. No momento em que vivenciamos a crise da água no Brasil, é fundamental que reflitamos sobre as nossas relações para com esse líquido tão precioso. Como nos relacionamos com a água do nosso dia-a-dia? Como nos posicionamos diante da degradação dos nossos mananciais de água potável? De que forma contribuímos para o desperdício de um bem que está se tornando cada vez mais escasso? Enfim, como temos nos posicionado, com respeito às questões de preservação e valorização da água? Temos adotado uma postura omissa? Temos atuado como agentes poluidores? Temos tido apenas uma postura contemplativa diante da água?

 Se almejamos um futuro melhor para nossos filhos e netos, se verdadeiramente acreditamos na possibilidade de alteração do curso da história, em termos das agressões ambientais e da degradação dos nossos recursos hídricos, precisamos agir. Partindo de uma mudança de postura individual, alcançaremos o coletivo com mais força e representatividade. Nessa questão não existe meio termo, somos todos responsáveis. É fundamental que coloquemos em prática a filosofia do saber cuidar. Bem aventurados aqueles que participarem ativamente desta revolução que se inicia, da revolução pela preservação e valorização da água.