quinta-feira, 22 de março de 2012

Água: entre o pensar e o agir

Existe uma distância muito grande entre o pensar e o agir. As conquistas obtidas pelo ser humano estão intimamente relacionadas com a sua capacidade de ação, com a sua capacidade de pôr em prática aquilo que um dia foi apenas uma idéia, ou mesmo uma intenção, seja no campo material, seja no universo intelectual. Da mesma forma que o ato de construir está relacionado com o agir, o ato de proteger, de preservar, também se relaciona com as ações adotadas por um indivíduo ou por um grupo.
Nós não protegemos os nossos filhos apenas com vontade, nós agimos no sentido de viabilizarmos essa proteção. Como os nossos filhos são prioritários para nós, realizamos tarefas e empreendemos ações que se traduzem no ato de proteger. Quem não age assim, transferindo essa responsabilidade para outros, acaba criando condições inseguras para os seus entes queridos. Em casos extremos, os filhos sucumbem por pura falta de proteção.
Na questão ambiental, esse fato se repete. Proteger os recursos naturais implica, necessariamente, realizar ações de proteção. Ações estas que podem se desenvolver nas mais diferentes escalas. Elas podem se iniciar dentro das nossas casas, com as orientações que damos aos nossos filhos sobre higiene e bons costumes, e se estender até a implantação de grandes projetos de recuperação e preservação de rios e lagoas.
Analisemos mais detidamente essa questão relacionada com a proteção dos mananciais de água potável. A quem cabe o papel de protetor dos recursos hídricos, da água nossa de cada dia? Cabe ao governo, única e exclusivamente, como representante do interesse comum? Cabe aos técnicos, donatários do conhecimento especializado e desenvolvedores da tecnologia? Cabe aos empresários, como geradores de riqueza e produtores de resíduos danosos ao meio ambiente? Ou cabe aos cidadãos, usuários desse recurso fundamental para a manutenção da qualidade de vida em todos os recantos do planeta? Quem deve agir, em última instância, no sentido de viabilizar a preservação da água? As respostas para tais questionamentos nos conduzem para uma única conclusão: a proteção da água é uma responsabilidade de todos os segmentos da sociedade. Mais do que um ato coletivo, ela é um exercício de cidadania.
Por ser o ato de proteger um processo que passa pelo indivíduo, esse mesmo indivíduo necessita tomar consciência do seu papel como agente de proteção. E essa tomada de consciência será a mola propulsora que transformará a vontade (a mera intenção) no ato efetivo de proteger. Conforme tem demonstrado a história da civilização, muita coisa que poderia ser feita para a preservação da água não se concretiza porque fica restrita ao campo do pensar. Se não podemos realizar determinadas ações, por falta de capacitação ou recursos, necessitamos atuar como vetores para que as mesmas aconteçam. E isso é uma forma de agir. Principalmente nos tempos atuais, quando dispomos de inúmeros mecanismos legais para exigirmos o cumprimento dos nossos direitos como cidadãos. Preservar o meio ambiente, por exemplo, exige a participação de todos os segmentos da sociedade. Ninguém deve se sentir incapacitado para desenvolver ações de proteção. Está na hora de encurtarmos a distância entre o pensar e o agir. O planeta corre perigo.

Retirado do livro "Pedagogia da Água".
Autor: João de Deus Souto Filho

terça-feira, 20 de março de 2012

O mostro e o verme

A revolução industrial, que serviu de base para o desenvolvimento ocorrido no século XX, gerou um monstro que precisa ser controlado pela sociedade do terceiro milênio. Esse horrendo ser, de aspecto grotesco e múltiplas faces, é a enorme capacidade que criamos de degradar o meio ambiente. Um exemplo é a grande quantidade de esgoto doméstico gerado pelos centros urbanos que na sua quase totalidade é despejado em corpos de água (rios, lagoas, mares), sem nenhum tipo de tratamento. Na área industrial, as toneladas de poluentes jogados na atmosfera e descartados diariamente na superfície do planeta são contabilizadas na escala de centenas de milhões.
O homem moderno é um produtor contumaz de agentes agressores do meio ambiente. Algumas áreas no planeta estão irremediavelmente inutilizadas, impossibilitando o desenvolvimento da vida; outras estão em processo avançado de degradação. Um exemplo disso são os rios que atravessam as grandes metrópoles; quase todos estão mortos ou apresentam elevados níveis de contaminação. Existe tecnologia para o tratamento de todos os tipos de poluição, contudo os custos envolvidos não despertam o interesse de empresários e dirigentes de órgãos públicos que, quase sempre, estão mais interessados em maximizar os seus lucros ou em transferir a resolução dos problemas para o futuro. Isso resulta, com freqüência, no agravamento da situação e no desencadeamento de efeitos indesejáveis para áreas adjacentes, ampliando a abrangência da agressão ambiental.
Quanto tempo mais dispomos pela frente, alimentando esse monstro horrendo, iludidos com a falsa idéia de que ele jamais nos alcançará? Ver os nossos mananciais de água sendo comprometidos; assistir à devastação das nossas coberturas vegetais; acompanhar a implantação de obras em áreas ambientalmente sensíveis, sem que os cuidados mínimos de preservação sejam obedecidos. Presenciar tudo isso com indiferença, é nos colocarmos na condição de vermes, pouco merecedores do dom da vida. Ou mudamos de postura, ou receberemos de volta tudo aquilo de ruim que despejamos por sobre o corpo desse enorme organismo que alguns chamam de Gaia, dessa pequena esfera que flutua na imensidão do espaço e que batizamos com o nome de Terra. Pois, tenhamos consciência ou não desse fato, queiramos ou não, somos parte dele.
Diante das forças da natureza, somos tão insignificantes quanto o mais simples dos organismos unicelulares. E a nossa pequenez só é sentida quando buscamos ar para respirar e não encontramos, quando imploramos por um mísero copo d'água à margem de um grande lago de águas mortas, quando somos derrubados dos pedestais onde nos colocamos ao sentirmos falta das coisas mais banais, que dantes desprezávamos, como por exemplo o tremular das folhas de um coqueiral. Os elementos da natureza, principalmente aqueles que nos possibilita a vida, são muito mais poderosos do que a nossa arrogância, que nos leva a acreditar que somos seres superiores.

Retirado do livro "Pedagogia da Água"
Autor: João de Deus Souto Filho

sábado, 10 de março de 2012

Gaia - a Terra vista como um organismo vivo

A teoria da Terra como organismo vivo, também conhecida como teoria de Gaia, foi criada no final da década de 1970 pelo pesquisador britânico James Lovelock. Essa idéia revolucionária, de considerar a Terra como um ser vivo, foi apresentada para o mundo no livro “Gaia: Um Novo Olhar Sobre a Vida na Terra”, publicado em 1979 (Antes disso, em 1972, a hipótese de Gaia havia sido exposta para a comunidade científica, na forma de uma nota, com o título “Gaia vista através da atmosfera”, na revista Atmospheric Environment). Como sempre acontece com as teorias inovadoras, a proposta de Lovelock foi rejeitada por muitos cientistas, sendo foco de calorosas discussões ao longo das décadas de 80 e 90 do século XX.
A teoria de Gaia obriga a que se tenha uma visão planetária. Em defesa da sua tese, Lovelock afirma: “o que importa é a saúde do planeta e não a de determinadas espécies de organismos”. Ele também considera que o mundo está precisando de uma nova profissão, a medicina planetária, e que o profissional dessa área poderia ser denominado de “Geofisiologista”.
Para se compreender o conceito de Gaia, faz-se necessário esclarecer que o termo “Gaia” não é um sinônimo para biosfera (biosfera é definida como sendo a parte da Terra em que normalmente existem coisas vivas), e que também não é o mesmo que “biota” (agrupamento de todos os organismos vivos individuais). Conforme definida originalmente, “a hipótese de Gaia pressupõe que a atmosfera, os oceanos, o clima e a crosta terrestre são regulados em um estado propício para a vida por causa do comportamento dos organismos vivos”. Dentro desse contexto, para Lovelock, “a vida e seu ambiente estão ligados tão intrinsecamente que a evolução diz respeito a Gaia e não aos organismos ou ao ambiente tomados em separado”.
A chave da Teoria de Gaia está na seguinte afirmativa feita pelo pesquisador inglês: “eu vejo a Terra, e a vida que ela contém, como um sistema, sistema esse que tem a capacidade de regular a temperatura e a composição da superfície terrestre, mantendo-a agradável para os organismos vivos. A auto-regulação do sistema é um processo ativo, impelido pela energia livre da luz do sol”. Em suma, a teoria de Gaia defende a tese de que o clima e a composição da Terra são regulados pela vida nela presente.
Visando consolidar os conceitos que davam suporte à sua controversa Teoria, Lovelock publica em 1988 um segundo livro cujo título original é “Ages of Gaia: a Biography of our Living Earth”, que foi editado no Brasil pela Editora Campus, em 1991, com o título “As Eras de Gaia: A Biografia da Nossa Terra Viva”. Leitura obrigatória para todos aqueles que se interessam pela preservação do planeta, vamos encontrar na apresentação feita pelo editor do Programa de Publicações do Commonwealth Fund, Dr. Lewis Thomas, a seguinte afirmativa: “Este livro de James Lovelock descreve uma série de observações sobre a vida do nosso planeta, que um dia poderá vir a ser reconhecida como uma das mais importantes lacunas no pensamento humano. Se Lovelock estiver certo em sua visão, como acredito, passaremos a encarar a Terra como um sistema de vida coerente, auto-regulador e automutante, uma espécie de imenso organismo vivo”.
Partindo do pressuposto de que a Terra está viva, a teoria de Gaia passa a considerar que a evolução dos organismos e a evolução das rochas que compõem a crosta terrestre já não precisam mais ser vistas como ciências distintas a serem estudadas separadamente. Dentro desse contexto, a “Geofisiologia” seria a ciência capaz de descrever a história de todo o planeta. E assim, a evolução das espécies e a evolução de seu ambiente estariam estreitamente associadas, num processo único e indivisível.

Retirado do livro "Pedagogia da Água"
Autor: João de Deus Souto Filho

sábado, 3 de março de 2012

Das nossas relações e responsabilidades

Que cuidado estamos tendo com o mundo à nossa volta? A teia da vida nos ensina que tudo está interligado nesse complexo sistema do qual fazemos parte. Existe interação permanente entre as partes que constituem esse todo que denominamos Terra. Os oceanos interagem com as grandes massas continentais, as florestas trocam energia com as regiões desérticas, a cidade interage com os meios naturais à sua volta. O ciclo das rochas renova o material sólido do planeta, que interage com o ciclo das águas, que intercambia com o ciclo do carbono. A vida só é viável com as trocas que a natureza possibilita. Não existe isolamento entre as partes desse imenso organismo que é nossa morada.
Nós, humanos, apesar de sermos seres sociais por excelência, estamos experimentando o lado negativo da “visão reducionista de mundo”. Os núcleos urbanos estão cada vez mais degradados, o contingente de excluídos aumenta assustadoramente e o meio ambiente já não suporta tanta agressão. A cultura ocidental, construída a partir da chamada “revolução industrial”, acentuou a segregação e estimulou o isolamento entre os diferentes segmentos da sociedade. As universidades investiram maciçamente na formação de especialistas e, junto com os especialistas, surgiram os profissionais individualistas, aqueles que só interagem com seus pares, que só enxergam o seu mundo particular, que só valorizam o seu fazer ultra-especializado, que não admitem compartilhar experiências com profissionais ou pessoas de outras especialidades.
Os médicos, por exemplo, passaram a viver em grupos seletos: o grupo dos cardiologistas, o grupo dos neurologistas, o grupo dos pediatras, o grupo dos cirurgiões plásticos, o grupo dos nefrologistas e tantos outros “istas”. Os engenheiros, de modo semelhante, passaram a se organizar segundo as especialidades: os engenheiros civis, os engenheiros eletricistas, os engenheiros navais, os engenheiros agrônomos e tantas engenharias mais. Os advogados, acompanhando a tendência mundial, criaram as suas especialidades: o advogado tributarista, o advogado criminalista, o advogado de relações internacionais, o advogado dos direitos da família e tantas advocacias mais. Ocorreu o mesmo com a geologia, com a arquitetura, com a odontologia, com a geografia, com a economia, com a sociologia e com as demais ciências humanas. Até na administração pública essa visão segmentada se cristalizou, e surgiram as secretarias de saúde, de transporte, de educação, de segurança e tantas outras secretarias por demais especializadas. Cabe a ressalva de que na maioria das vezes essas secretarias funcionam como órgãos isolados, apresentando baixíssimo grau de interação.
E assim fomos construindo a cultura da especialização, que foi acompanhada pela incorporação de novos hábitos, terminologias específicas, novas linguagens e novos valores. Os médicos passaram a se relacionar quase que exclusivamente com os médicos, o mesmo ocorrendo com os engenheiros, os advogados, os odontólogos, os geólogos, os agrônomos, os físicos. Esse fato se repetiu com os comerciantes, os industriários, os banqueiros. Essa tendência se alastrou como uma doença contagiante, e os laços que existiam entre os elementos que compõem o tecido social foram se desfazendo, foram perdendo força.
A visão individualista passou a predominar. A lógica do “salve-se quem puder” virou lugar comum, passando a dominar o consciente popular. O espírito de cooperação perdeu terreno. No discurso diário, passamos a ouvir que “a responsabilidade pelas mazelas da sociedade é sempre do outro (ou dos outros)”. Passou a vigorar a visão de que “o mundo está assim porque os outros não prestam”. Ouvimos com freqüência “eu não degrado o meio ambiente, quem degrada é o outro”. Se a cidade está suja não é culpa minha, a responsabilidade é do outro. A violência urbana que ameaça a minha integridade também não é culpa minha, é do estado, é do meu vizinho, é do outro.
Perdemos a identidade com o Estado e transferimos as nossas responsabilidades de cidadãos para os políticos que, de representantes do povo, passaram a atuar como defensores de interesses particulares. Esquecemos até de exercer o nosso sagrado direito de exigir responsabilidade com a coisa pública. E com essa postura omissa, acentuada por uma visão individualista de mundo, formamos um quadro de políticos viciados em atos ilícitos. Permitimos que a corrupção passasse a ser vista como algo natural no meio político. Alimentamos castas de aproveitadores que criaram verdadeiros impérios no cenário político nacional.
Se pensamos em mudar esse estado de coisas, precisamos resgatar as relações perdidas. Precisamos romper a bolha que criamos ao nosso redor, ampliando assim as nossas relações com o mundo que está à nossa volta. Vamos abrir as portas das nossas especialidades, vamos trocar experiências de forma mais aberta. É possível, sim, o diálogo franco entre médicos, engenheiros, advogados, geólogos, arquitetos, educadores das mais diversas áreas do conhecimento. Por que não buscamos a complementação, em vez de ampliarmos as diferenças geradas pelas especializações? Os órgãos municipais e estaduais precisam interagir mais, para o efetivo funcionamento do estado, visando ao bem público. Podemos construir um mundo melhor renovando e aperfeiçoando as nossas relações. Não custa repetir: a teia da vida nos ensina que tudo está interligado nesse complexo sistema do qual fazemos parte. Se queremos melhorar a nossa qualidade de vida, precisamos nos incluir como responsáveis nesse cenário tão carente de soluções multidisciplinares. O individualismo excessivo e o isolamento não nos conduzirão ao crescimento como seres sociais.

Retirado do livro "Pedagogia da Água".
Autor: João de Deus Souto Filho