segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Receita para matar um rio

Matar um rio é coisa fácil. Basta atuar em três frentes: destruir as áreas das nascentes, devastar as matas ciliares e despejar agentes poluidores nas suas águas. Nos dois primeiros casos, podemos matar o rio por falta de água. No último, matamos o rio por excesso de poluição, destruindo a vida que nele existe.
Quando dizemos que um rio tem uma nascente, estamos reconhecendo a existência de uma área onde a água brota da terra. E de onde vem essa água? Vem dos lençóis subterrâneos. Em outras palavras, as nascentes dos rios só sobrevivem se os lençóis de água subterrânea forem alimentados pelas águas das chuvas. Daí a importância de preservarmos as áreas de recarga natural dos aqüíferos. Além de serem críticas para a existência das nascentes, as águas subterrâneas também regulam o nível de água dos rios. Tanto que na época das secas os níveis dos rios baixam, porque, dentre outras coisas, a quantidade da água dos lençóis subterrâneos também é reduzida.
Falar de mata ciliar é falar também de nós, humanos. Isso porque a palavra ciliar deriva de cílios, isso mesmo, dos cílios que protegem os nossos olhos da sujeira do mundo exterior. Desta forma fica fácil compreender que mata ciliar é aquela vegetação que se desenvolve nas margens do rio e sua função básica é proteger o solo da erosão, evitando que a areia e o barro sejam transportados pelas águas das chuvas para o seu leito. A mata ciliar também contribui para a infiltração das águas das chuvas no solo.
Quando falamos dos agentes poluidores de um rio, estamos nos referindo às imundícies que nós, seres humanos, jogamos no seu interior. São os esgotos domésticos e industriais, são as toneladas de lixo despejadas nas margens dos rios ou diretamente nas suas águas, são os produtos químicos altamente tóxicos que contaminam uma água originalmente pura. Esses contaminantes podem destruir tanto a vida animal quanto a vida vegetal de um rio, desequilibrando os ecossistemas existentes. E contamos aos milhares os rios de águas mortas no Brasil, particularmente nas proximidades dos centros urbanos das cidades.
Mas existem outros ingredientes que contribuem para a morte de um rio. São eles: o descaso dos órgãos responsáveis pela preservação ambiental, que não desempenham bem os seus papéis; a irresponsabilidade dos administradores públicos, que não priorizam a questão da proteção dos mananciais de água; a ganância dos empresários da indústria, que encontram nos rios as soluções mais baratas para dar destino às suas sujeiras; a ocupação desordenada do solo, com ênfase para a especulação imobiliária, que se apropria de áreas sensíveis; e principalmente a desinformação da população, que por ignorância no assunto não exerce a sua cidadania, passando a atuar como mero espectador nas questões de proteção ao meio ambiente.
Em termos práticos, a receita para matar um rio é muito simples: bastam administradores públicos descompromissados com o bem comum, complementando com uma política de ocupação do solo ineficaz, adicionado a projetos de saneamento básico que não saem do papel, seguidos da ação criminosa de empresários da indústria que só vêem os rios como depósitos de dejetos. Por fim, contando com um contingente populacional devidamente desinformado, o que facilita o desvio do dinheiro público que deveria ser aplicado na preservação da saúde dos rios. Os nossos principais rios estão doentes devido à aplicação dessa velha receita, que é infalível. Está na hora de mudarmos essa situação, aplicando uma nova receita que contemple um maior comprometimento das autoridades, dos empresários e da população, com a preservação dos nossos mananciais de água potável.

In: Pegagogia da Água - Sobre o papel do cidão na preservação dos recursos hídricos
Autor: João de Deus Souto Filho

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Vida na Terra: o elo universal

Nem sempre o óbvio é tão óbvio quanto parece. O ciclo da vida teria alguma ligação com o ciclo da água? Que elemento nos liga, por exemplo, a um dinossauro que viveu há 70 milhões de anos? Alguma coisa nos une à grande baleia jubarte que mergulha no azul abissal? Existirá um elemento que participou de todos os momentos da evolução da vida no nosso planeta? O elo universal, o elemento que participou de todos os instantes do desenvolvimento da vida nesse planeta singular foi a água. A primeira célula, a molécula orgânica número um, tinha água como companheira. A água sempre esteve presente onde existiu vida. A água está presente onde a vida floresce.
A ciência nos ensina que a quantidade de água que existe no nosso planeta não se alterou muito durante a sua história. Depois que a grande massa de água foi formada no planeta Terra, muito pouca água nova foi incorporada ao sistema. As mais diversas regiões do planeta são abastecidas com água através do ciclo hidrológico. E esse ciclo das águas funciona de forma ininterrupta há milhões e milhões de anos, tendo como fonte de energia, que alimenta esse organismo gigantesco, a luz do Sol.
A água que hoje se encontra nas geleiras foi vapor d’água um dia e possivelmente escorreu tranqüila por rios caudalosos de regiões tropicais. A molécula de água hoje armazenada em reservatórios subterrâneos pode ter feito parte da corrente sangüínea dos primeiros mamíferos que habitaram o planeta ou mesmo dos nossos ancestrais hominídeos. A água contida nos vegetais que nos alimentam é transferida para nós diariamente, possibilitando a manutenção da vida e contribuindo com o ciclo hidrológico.
Não nos apercebemos muitas vezes que também fazemos parte do ciclo das águas. Somos consumidores e armazenadores temporários de água. O corpo humano é um reservatório de água por excelência, uma vez que aproximadamente 70% da nossa massa corporal é composta por água. Proporcionalmente, temos uma capacidade de armazenar água muito maior que os sistemas aqüíferos naturais. Como organismos consumidores de água, e reclicadores desse precioso líquido, devolvemos a água para o meio ambiente na forma de suor, urina, fezes ou mesmo quando encerramos o nosso ciclo de vida e voltamos para o ventre da mãe Terra.
Nas palavras de Art Sussman, autor do livro Guia para o Planeta Terra, “a água que bebemos nos une estreitamente aos seres vivos que habitaram o planeta antes de nós, aos que nele vivem atualmente e aos que estarão aqui no futuro”. Quando tomamos consciência desse fato, passamos a tratar as questões relacionadas com a preservação dos recursos hídricos de modo mais comprometido. Ao nos incluirmos no ciclo das águas alteramos as nossas relações, para melhor, com o meio físico em que construímos as nossas histórias.

(*) Retirado do livro: Pedagogia da Água (Autor: João de Deus Souto Filho)