sábado, 14 de julho de 2012

O fenômeno da intrusão salina

          Quando o mar invade áreas costeiras, em regiões densamente povoadas, são grandes os transtornos e muitas vezes incalculáveis os prejuízos causados. São bem conhecidas as borrascas que ocorrem na costa dos Estados Unidos e no litoral do Japão. Nesses casos estamos nos referindo ao fenômeno da invasão marinha através da superfície. Existe um outro tipo de invasão marinha que é muito pouco divulgada pela mídia. Trata-se da invasão do mar pelo interior das rochas que existem nas regiões costeiras. Esse fenômeno é conhecido como "intrusão salina" e ocorre naquelas regiões onde lençóis de água subterrânea se estendem até o litoral dos continentes.
          A costa do Rio Grande do Norte, por exemplo, é uma região propícia para a ocorrência desse tipo de fenômeno. Em condições normais, as águas contidas nos lençóis subterrâneos se deslocam em direção ao mar, impedindo o avanço da água salgada para o interior do continente. A força que mantém a água salgada afastada da área continental é a pressão exercida pela água doce presente nos lençóis subterrâneos. Quando, por algum motivo, essa pressão é reduzida, o mar começa a invadir o continente por baixo da terra. É uma invasão perigosa porque na maioria das vezes é difícil de ser percebida. A conseqüência mais danosa desse fenômeno é a salinização das águas subterrâneas nas regiões costeiras.
          Considerando que Natal é abastecida por águas retiradas dos lençóis subterrâneos, é de fundamental importância que sejam bem controladas as condições de retirada da água do aqüífero que abastece a cidade. Se a retirada da água for feita de forma descontrolada, correremos o risco de ter as nossas águas salinizadas, fato já verificado em Recife. A regra a ser obedecida é simples: Não podemos retirar mais água do que a natureza tem capacidade de repor; desta forma estaremos mantendo a pressão do lençol subterrâneo em um nível maior que a pressão exercida pela água do mar.
          Por que estou afirmando que devemos nos preocupar com o fenômeno da “intrusão salina”? A resposta é simples. Com o adensamento populacional da Região Metropolitana de Natal, tem aumentado significativamente a retirada de água dos lençóis subterrâneos. Esse aumento de consumo não foi acompanhado pela implementação de um sistema de gerenciamento que possibilitasse quantificar os volumes de água retirados do aqüífero. Para agravar o problema, com o processo de urbanização da cidade, as áreas de infiltração natural das águas de chuva, que reabastecem os mananciais subterrâneos, reduziram significativamente, em função da impermeabilização do solo.
          O que nos preocupa é que atualmente não dispomos de informações sobre o volume de água que está sendo produzida pelos milhares de poços particulares já perfurados. Estima-se que existam mais de 1000 poços particulares na região da Grande Natal. Hoje não sabemos ao certo o volume de água produzido pelos poços que abastecem os hotéis da Via Costeira, área extremamente vulnerável ao problema da “intrusão salina”. Para evitar o risco de salinização das águas subterrâneas na região de Natal, a Secretaria de Recursos Hídricos precisará agir no sentido de viabilizar a implementação de um sistema integrado de monitoramento do aqüífero Dunas-Barreiras, começando pelo cadastramento dos poços existentes da Região Metropolitana. Só assim poderemos saber o volume ótimo de água que pode ser retirado dos nossos mananciais de água subterrânea, sem causar desequilíbrios que possam comprometer o futuro da cidade.

Retirado do livro "Pedagogia da Água". Autor: João de Deus Souto Filho.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Ta'Kaiya - Água Especial

Uma garota de onze anos de idade foi destaque na Rio+20. Apesar de viver numa comunidade indígena canadense, essa jovem de largas bochechas já é uma celebridade mundial. Autora da canção “Shallow Waters” (Águas Rasas), divulgada pela internet, a singela indiazinha está se revelando para o mundo como uma combativa ambientalista. Assisti ao vídeo no qual a pequena Ta’Kaiya canta a canção “Shallow Waters” e fiquei emocionado. Quanto vigor e beleza no seu cantar.


O nome Ta’Kaiya é de origem indígena e significa “Água Especial”. Poderíamos complementar: “água pura”, seiva da vida. Mas não é só o nome que chama a atenção. O que verdadeiramente chama a atenção é a atitude dessa criança de onze anos de idade, a sua capacidade de perceber como é delicado o equilíbrio ambiental do planeta e como as ações humanas podem colocar em risco a preservação da vida animal e vegetal. A canção “Shallow Waters” não é uma mera canção infantil, é um brado de alerta sobre a necessidade de desenvolvermos ações para a proteção dos recursos naturais do planeta.

A canção “Shallow Waters”, cujo título em português significa “águas rasas”, é a demonstração contundente de que a possibilidade de melhorarmos as nossas relações com o meio ambiente está nas mãos dessa juventude que floresce na primeira década do século vinte e um. Caberá a essa nova geração realizar aquilo que a geração do século vinte não conseguiu, que é viabilizar o verdadeiro desenvolvimento sustentável. A nossa geração, que se prepara para sair de cena, e que contou com todos os recursos tecnológicos para fazer as coisas bem feitas, no que diz respeito à proteção ambiental, fracassou e fracassou feio. Levada pela ganância empresarial e pela arrogância dos governantes que dominaram o cenário político no século que passou, a nossa geração deixou sequelas irrecuperáveis em muitas regiões do planeta.

O desenvolvimento a qualquer custo dizimou milhões de quilômetros quadrados de florestas primitivas, provocou a desertificação de extensas áreas férteis, extinguiu centenas de espécies animais e vegetais, gerou toneladas e toneladas de lixo nuclear, acentuou a segregação social em inúmeros países, reflexo da concentração excessiva de renda na mão de poucos. Esse magistral desenvolvimento tecnológico experimentado pela sociedade do século vinte não foi acompanhado de ações de proteção dos ambientes naturais na escala devida. Chegamos ao cúmulo de transformar um mar fértil e produtivo numa poça imunda de águas venenosas. Falo do Mar de Aral, situado no coração da antiga União Soviética, que foi destruído pela ação irresponsável de políticos e empresários gananciosos, suportados por técnicos descompromissados com o conhecimento científico, e que manipularam a vazão de dois importantes rios que mantinham vivo e saudável aquele mar interior.

Daí vir a minha certeza de que caberá a esta geração que floresce, à geração da pequena Ta’Kaiya, a missão de transformar esse mundo cambaleante habitado por nós num mundo verdadeiramente melhor. Num mundo no qual o ser humano se veja como fazendo parte dessa bela natureza que nos cerca. Num mundo mais igual e fraterno.