sábado, 23 de junho de 2012

Rio+20 e a Crise de Todos Nós


            Li há alguns meses atrás  um artigo que tratava da questão do consumo inconseqüente que coloca o planeta em risco. O autor abria o texto dizendo que nos tempos idos do século que passou ele alimentava a imaginação da sua criança contando estórias ao redor de uma fogueira. E eram estas as palavras de abertura: “eu contava de como ele enfrentou o monstro com uma faca e um amuleto. E você, arregalava os olhos que brilhavam medo, lâmina e heroísmo. E depois, corria para colher nos campos (que eram dourados) lascas que se transformavam em armas e talismãs. Hoje, eu não sei mais quem sou e nem o que tenho para contar. E você...
            Você precisa de home theater, CD com a trilha sonora, game baseado na história, coleção de miniaturas em pvc, camiseta, boné, álbum de figurinhas, efeitos especiais e o dinossauro articulado. E o que mais mesmo?
 Em outras palavras, o consumismo desenfreado passou a ser o elemento motivador dos sonhos juvenis. A estória, de elemento lúdico e estimulador do imaginário infantil, passou a ser um mero coadjuvante, apenas o pano de fundo para a venda de produtos que superlotam as prateleiras dos supermercados e shopping-centers. De produtos que, via de regra, têm vida útil muito curta, que na maioria das vezes vão para o lixo sem muito uso. Para se ter uma idéia da dimensão do negócio, basta dizer que para cada filme dirigido ao público infantil, que os Estúdios Disney colocam no mercado, são lançados de 200 a 400 brinquedos e produtos associados aos personagens desse mesmo filme. Produtos que a mídia cuida muito bem de enfiar goela abaixo de uma sociedade que está sendo levada para o padrão norte-americano de consumo.
            Voltando ao texto referenciado acima, o autor é categórico ao afirmar que “A extinção de espécies, a contaminação do ar e da água, o efeito estufa, não são a crise ambiental. São apenas seus indicadores”.  E expõe sua tese através da seguinte assertiva: “a crise ambiental é a nossa crise: de valores, de relacionamento, de identidade e de conhecimento”. Agora que estamos acompanhando os debates sobre a Rio+20, é fundamental que reflitamos sobre essa crise vivenciada por nós, cidadãos de um mundo globalizado que caminha para o insustentável. O atual padrão de consumo, imposto por uma cultura doente, o modo estadosunidense de ser (e consumir), está nos levando para uma “crise de recursos” sem precedentes. Inúmeros estudos demonstram que o modelo consumista atualmente em voga é materialmente insustentável. Para aqueles que consideram essa tese absurda, basta fazer referência ao contingente de jovens bem alimentados que roubam ou se prostituem para ter como comprar roupas de grife, ou ainda, ao número significativo de adolescentes com distúrbios de comportamento porque sentem-se frustrados por não poderem compartilhar do “convite para o consumo” veiculado diariamente pela mídia.
            Tomar consciência desse fenômeno, como pais e cidadãos, é decisivo para as decisões que podemos tomar na condução das nossas vidas e nas exigências que devemos fazer aos administradores públicos. Faze-se necessária uma revisão daquilo que entendemos, por exemplo, como educação ambiental, e como nos incluímos a nós próprios e às nossas instituições na teia da vida e das relações sociais. Precisamos, dentre tantas outras demandas, estimular a produção de brinquedos e outros materiais de uso das crianças e jovens com matérias primas eco-eficientes. Precisamos exigir mais responsabilidade da indústria de comunicação, ressaltando que o valor não está no consumo, que o mais importante não é a grife, que o desenvolvimento deve levar em conta a manutenção da qualidade de vida para as gerações futuras, que o meio ambiente somos nós e que a vida só é bela com dignidade e justiça social.

João de Deus Souto Filho (Autor do livro "Pedagogia da Água")

sábado, 16 de junho de 2012

Rio+20 e a Pedagogia da Água

     Existe muita expectativa quanto aos resultados da Conferência Rio+20. Para muitos, a Conferência só valerá a pena se forem firmados acordos de peso, referendados pelas nações que comandam a economia mundial. Esperam-se medidas de grande abrangência, que garantam o crescimento sustentável das nações sem comprometimento com a saúde do planeta. Quanto a tais expectativas não tenho muitas esperanças, visto que passados vinte anos da Rio92 pouco foi feito em escala global, com apoio real das grandes nações, visando a correção de erros seculares que vêm sendo cometidos com respeito à preservação ambiental. Seria muito bom se a Rio+20, ao invés de centrar fogo nas questões globais, desse atenção especial às questões pequenas, onde tudo começa. Se, ao invés de focar as nações, as grandes empresas, os grandes empreendimentos, fosse dada atenção ao indivíduo e seus atos cotidianos teríamos resultados mais concretos. Seria para mim muito mais proveitosa a Rio+20 se fosse iniciado um trabalho educativo de massa voltado para o ato de “saber cuidar”.

     Poderia ser tomada como ponto de partida a Água, pois falta educação sobre a água. Quando analisamos a questão ambiental, tendo como pano de fundo a água, observamos que o desperdício, a degradação dos mananciais, a deficiência nos sistemas de saneamento básico, as inundações recorrentes, as ocupações de áreas críticas, o assoreamento dos rios, a crise da água nos centros urbanos, é resultado do desconhecimento da maioria das pessoas sobre o bem “Água”. Como nós só protegemos aquilo que conhecemos, é fundamental o desenvolvimento da “Pedagogia da Água”.

     Precisamos iniciar um trabalho de aplicação permanente e cotidiano voltado para a formação de uma consciência de cuidado com a água, que conduza à mudança de comportamento. Precisamos pensar nos analfabetos em água: naquelas pessoas que não enxergam valor na água de cada dia; naqueles indivíduos que não se preocupam sequer em saber de onde vem a água que abastece a sua residência; nos empresários que ainda imaginam que a água é um bem infinito; nas donas de casa e nos pais de família que não evitam o desperdício; no contingente gigantesco de pessoas que não têm noção do que seja reuso da água; nos administradores que não cuidam da água como um bem público de primeiríssima necessidade.

     Precisamos abandonar o paradigma de que só aos professores de ciências cabe abordar o tema “água” em sala de aula. Os educadores, sem exceção, precisam incluir nos seus programas a temática água como material de trabalho e debate. Com criatividade e ousadia é possível abordar o tema água em disciplinas como português, matemática, biologia, história, geografia, física e química. Não devemos, porém, nos ocupar apenas dos aspectos conceituais relacionados com o elemento água ou com a mera distribuição geográfica dos recursos hídricos no planeta. A mudança está justamente aí. Precisamos preparar os nossos educadores e formadores de opinião para atuarem como catalisadores de um debate amplo e profundo sobre o papel da água nas nossas vidas, sobre a importância da água para as comunidades, enfim, sobre o valor da água como elemento fundamental para a vida no planeta.

     Nas universidades, onde são preparados os profissionais para o mercado de trabalho, onde são conduzidas as pesquisas e onde é sedimentado o conhecimento científico da sociedade, assim como nas escolas de todos os níveis, precisamos viabilizar a “revolução das águas”. A água deve permear todas as áreas do conhecimento compartilhado. Os professores das ciências exatas e da terra, das ciências humanas, das ciências biológicas, enfim, de todas as áreas do conhecimento, devem estabelecer uma estratégia integrada de divulgação do saber sobre a água. Precisamos, verdadeiramente, universalizar os conhecimentos sobre este bem que é fundamental para a nossa qualidade de vida, para o desenvolvimento sustentável tão almejado por todos. Se a Rio+20 deixar como legado a “Pedagogia da Água” terá cumprido o seu papel como agente de transformação da sociedade mundial.

domingo, 3 de junho de 2012

Rio Potengi, berço da Nação Potiguar

Conta uma lenda, dessas lindas lendas de beira-mar, que ao escolher as margens do Rio Potengi para construir a sede da nação Potiguar, o grande pajé consultou a mãe Lua, perguntando-lhe: “Mãe de todas as noites, seria este um bom lugar para plantarmos as nossas raízes?” A Lua Mãe, naquela noite, resplandeceu por entre as nuvens e disse: “Filho dessa terra abençoada, faça desse espaço a morada de toda essa nação guerreira. Construa a tua oca sobre esta areia branca e faça uso de tudo aquilo que a natureza colocar ao alcance de tuas mãos. Retire da floresta os frutos que matarão a tua fome e faça uso desse Rio sagrado com equilíbrio, porque ele matará a tua sede e lavará o teu corpo até o final dos tempos”. Satisfeito com a resposta, o velho pajé fez reverências aos céus e cravou sobre a areia o marco daquela aldeia que receberia o nome de Igapó.


Vieram os portugueses, conquistadores de mares longínquos, demarcaram a terra, construíram uma vistosa fortaleza e fundaram um povoado que recebeu a denominação de Cidade do Natal. Muitas luas se passaram, foram-se os potiguares expulsos da velha aldeia; a pequena vila portuguesa tornou-se metrópole, e hoje assistimos indiferentes ao sacrifício lento e contínuo do sagrado Potengi. A cidade despeja no seu leito, sem qualquer escrúpulo, as suas imundícies. O Rio agoniza aos nossos pés, e seguimos alardeando aos quatro ventos que o progresso é a marca dessa charmosa cidadela. Nem nos lembramos da mãe Lua, que chora em silêncio e que reflete a sua luz fria nas águas lentas daquele que foi o Rio dos Camarões.

Naqueles tempos idos do início da ocupação da terra Pityguara, pelos homens brancos da casa de Aragão e Castela, ouvia-se na língua tupi a afirmação contundente: água, o sangue da terra. Esta afirmação ecoava forte no seio da floresta. Anciões e jovens guerreiros participavam do ritual da “dança da chuva”, entoando canções de agradecimento à mãe Lua pela água cristalina que corria nos riachos e que alimentavam o Potengi. A relação dos filhos da floresta com as águas de todos os tipos era de respeito e amor. O ciclo das águas participava harmonicamente do ciclo da vida das comunidades Pityguaras.

Os estrangeiros venceram a guerra de ocupação. O povo Pityguara, subjugado pela força dos mosquetões e pela ganância da espada ibérica, cedeu lugar a uma nova civilização. Em nome do Deus cristão, o povo simples da floresta foi quase que totalmente dizimado. Os sobreviventes dessa guerra desigual foram forçados a aprender novos conceitos ditos civilizados. As relações naturais e equilibradas do homem com o meio físico começaram a ser quebradas. A povoação dos Reis Magos é elevada à condição de vila, a pequena vila toma ares de cidade e hoje se apresenta para o mundo como metrópole. E o rio, que deu vida à majestosa cidadela, agora agoniza diante de oitocentos mil corações, que seguem indiferentes o curso da história. Talvez devêssemos resgatar as palavras dos verdadeiros donos dessa terra, os guerreiros Pityguaras, na esperança de vermos estancadas as agressões cometidas diariamente contra o rio de nossas vidas, repetindo todos os dias “água, o sangue da terra”.

Retirado do livro "Pedagogia da Água"
Autor: João de Deus Souto Filho