sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Natureza em ruínas

O sociólogo e ensaista alemão Robert Kurz, ao analisar os impactos causados pelo homem moderno ao meio ambiente, afirma que "se o conhecimento científico não se emancipar da lógica de uma objetivação desumana da natureza, o complexo econômico-científico logrará transformar a Terra num deserto da física". Essa afirmativa deve ser objeto de profunda reflexão, não apenas no campo acadêmico, mas principalmente entre os profissionais em atividade no mercado. É fundamental que se compreenda com clareza o que vem a ser "objetivação da natureza", para que se possa emitir um juízo de valor sobre o nosso fazer profissional e os seus reflexos nas condições de manutenção do equilíbrio entre a interação humana e meio ambiente.
Ainda fazendo uso das palavras de Robert Kurz, a tese da "objetivação da natureza" considera que "tal como o Estado moderno reduz o indivíduo vivo a uma abstração jurídica, tal como a lógica da economia exige que a sociedade seja reduzida à matéria morta do dinheiro, assim também a ciência reduz os processos naturais a um nexo mecânico". Na prática, podemos traduzir essa forma de enxergar os processos naturais como uma visão mecanicista de mundo, ou seja, os elementos naturais passam a ser definidos como "objetos hostis de manipulação", o que sintetiza o conceito de "objetivação da natureza". Colocar-se contra essa visão de mundo é adotar uma postura ética com relação à natureza.
Aprofundando um pouco mais a discussão, a questão primordial que se coloca é a seguinte: - qual o limite aceitável para a interferência humana nos processos naturais? A ciência naturalista tem demonstrado que o meio ambiente apresenta um ritmo próprio para se recuperar das degradações causadas pela ação depredatória do homem civilizado. Como por exemplo: as florestas tropicais necessitam de duas a quatro décadas para se recuperarem dos estragos causados pelas queimadas; os rios e lagos poluídos podem necessitar de mais de cinqüenta anos para recuperarem as suas condições originais de potabilidade; os lençóis de água subterrânea, quando contaminados, podem requerer algumas centenas ou até milhares de anos para voltarem a ser portadores de água de boa qualidade.
Tratar a natureza como mero objeto é um erro histórico cometido pela ciência moderna que deve ser resgatado o mais rapidamente possível. Grande parte do desenvolvimento tecnológico conseguido nos últimos dois séculos, especialmente nas áreas agrícola e industrial, trouxe impactos negativos ao meio ambiente. Tanto os cientistas como os profissionais que atuam nas áreas tecnológicas, direta e indiretamente ligados às atividades promotoras de desenvolvimento, devem ter a humildade de assumir as suas parcelas de responsabilidades com respeito à degradação ambiental hoje observada. Faz-se necessário adotar uma nova posição diante do futuro do Planeta. Trata-se de uma postura ética em relação à natureza e ao uso que fazemos dela. Esse exercício de cidadania necessita tanto ser praticado diariamente, como as idéias ligadas a ele devem ser difundidas no seio da sociedade, para que as pessoas menos esclarecidas tenham a oportunidade de tomar consciência do seu envolvimento nesta imensa batalha de buscar um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.

Retirado do livro "Pedagogia da Água - Sobre o papel do cidadão na preservação dos recursos hídricos". Autor: João de Deus Souto Filho