sexta-feira, 16 de março de 2018

Sobre a Privatização do Aquífero Guarani


Segundo denúncias noticiadas pela mídia brasileira, o governo Temer está negociando com a Nestlé e a Coca-Cola a privatização das fontes de água potável no brasil. Dentre estas fontes, tem merecido destaque o Aquífero Guarani, que contém uma das maiores reservas de água potável subterrânea do planeta.



Segundo matéria publicada no jornal Correio do Brasil, na sua edição de 29 de janeiro de 2018, o presidente Michel Temer teria tido um encontro reservado, durante o Forum Econômico Mundial, em Davos, com o presidente da Nestlé, Paul Bulcke, para tratar do tema “água”.



Nessa mesma matéria do jornal Correio do Brasil, é feita referência ao artigo elaborado pelo renomado ativista ambiental norte-americano, Franklin Frederick, que também participou do Forum Econômico Mundial, onde é dito que:



“Temer teve encontros privados com o Presidente Global da Ambev, Carlos Brito; e com o CEO da Coca-Cola, James Quincey. Temer também encontrou o CEO da Dow Chemical, Andrew Liveris. A água é a principal matéria prima utilizada pela Coca-Cola e pela Ambev. E ‘por coincidência’, Andrew Liveris faz parte do ‘Governing Council’ do Water Resources Group –WRG – a iniciativa da Nestlé; Coca-Cola e Pepsi para privatizar a água através de parcerias público-privadas. No site oficial do WRG, Andrew Liveris aparece ao lado do ex-CEO da Coca-Cola Muhtar Kent – outro membro do ‘Governing Council’ do WRG”.



Não precisamos chamar a atenção de que a matéria prima mais importante para as empresas referenciadas acima é a “água potável”. Dito isso, fica fácil entender que as denúncias feitas quanto ao interesse de privatização da água no Brasil tem algum fundo de verdade.



Do ponto de vista técnico, vale ouvir a voz de um especialista em água subterrânea. Me refiro

ao geólogo e professor emérito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Luiz Fernando Scheibe, que, em entrevista concedida à revista Rede Brasil Atual (RBA), externou a sua preocupação quanto ao aquífero Guarani. Ele diz:


“Nossa preocupação maior é com os aquíferos Guarani e Serra Geral, este último é um aquífero que está sobre o Guarani. O acesso à água é considerado direito fundamental de todos os seres humanos. Falar em privatização de qualquer fonte de água é algo que foge ao conceito de direito humano fundamental da água. Quanto à privatização de uma determinada fonte de água, não existe normalmente uma privatização, mas uma possibilidade de outorga, que é uma concessão feita pelo Estado”.


E complementa, ressaltando que “o aquífero continua sendo uma reserva estratégica”, com a seguinte ressalva:


“O acesso a essa água deve ser sempre público e não pode ser privatizado. A água não deve ser concedida de jeito nenhum. Ainda que exista a possibilidade de outorga para determinados usos, desde que eles não comprometam o acesso das outras pessoas. No caso do Aquífero Guarani, por causa da extensão, o grande problema é o uso localizado do aquífero. Vamos tomar como exemplo a cidade de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Essa cidade está localizada sobre uma área de afloramento do aquífero. Uma parte da área tem cobertura pelo outro sistema aquífero, que é o Serra Geral. Em Ribeirão, estão fazendo uso tão intenso que, ao cabo de 50 anos de exploração, o nível da água dentro do aquífero já baixou mais de 60 metros. Isso significa que a reserva disponível está diminuindo drasticamente”.



Na matéria do dia 17/10/2016, do Correio do Brasil, o professor Scheibe afirma que “os riscos de o Estado outorgar o direito de exploração dos aquíferos brasileiros são reais. E encontram precedentes aqui mesmo, na América Latina”.



Segundo Scheibe, “o principal país que tem grandes problemas com relação à privatização da água é o Chile. Lá a ditadura do Pinochet realmente privatizou todas as fontes de água. Hoje, toda a água é objeto de negociação e não há garantia de acesso para a população em geral.”



E outro alerta é feito nessa mesma entrevista, sobre “os riscos da exploração desmedida, que poderá ocorrer caso empresas de grande porte assumam essas outorgas do Estado, estão no fato de que o aquífero é um sistema de difícil proteção”.



Nas palavras do professor Scheibe, “Importante a gente ter clareza do que é o aquífero­ – uma rocha que contém água nos seus poros ou em suas fraturas - não se trata de um corpo de água, mas de um corpo de rocha que contém água. E o movimento da água dentro do aquífero é extremamente lento. Enquanto em um rio a água se movimenta em metros por segundo, dentro do aquífero a água se movimenta em velocidade de metros por ano”.  Daí a necessidade de se ter um gerenciamento cuidadoso quando da retirada de água de um determinado aquífero, pois se algum dano for causado naquele reservatório de água subterrânea, como por exemplo a explotação predatória, poderá necessitar de séculos para a sua adequada recuperação.


Conforme visto acima, deveremos estar atentos ao tema “privatização do aquífero Guarani”. Trata-se de questão delicada, envolvendo grandes interesses privados, sobre um patrimônio natural que pertence a todos nós.