quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Os rios e as cidades

Os rios estão nas raízes da maioria dos centros urbanos. Não por acaso. Eles são as fontes milagrosas que viabilizam o desenvolvimento da quase totalidade dos núcleos sociais por nós conhecidos. Paris, a mais charmosa metrópole européia, nasceu e se desenvolveu às margens do Sena. Londres, o coração da nobreza inglesa, é uma cidade alimentada pelo rio Tâmisa. Roma, centro político e cultural da Itália, tem a sua história ligada ao rio Tibre. Nova Deli, capital da Índia milenar, se ergueu às margens do sagrado rio Ganges. São Paulo, a maior metrópole da América Latina, nasceu às margens do Rio Tietê. Recife, a nossa Veneza dos trópicos, tem a cara e o cheiro dos irmãos de água, Capibaribe e Beberibe. E Natal, a nossa vila mais sagrada, germinou nas margens do Potengi.
Sem sombra de dúvida, nós, o supra-sumo do mundo civilizado, devemos muito a esses cursos d´água. E o que damos em troca dessas verdadeiras dádivas recebidas da mãe Terra? Como filhos ingratos, nós presenteamos os rios das nossas cidades com o que temos de pior: os nossos dejetos, domésticos e industriais, o lixo podre gerado a cada dia, o lixo imundo e pestilento gerado a cada segundo. E assim matamos os Tietês, os Capibaribes, os Ganges, os Senas e os Tâmisas da vida. É o mesmo que estamos fazendo com o nosso majestoso Potengi. Hoje, a cidade do Natal despeja, nas águas do Potengi, sem nenhum escrúpulo ou vergonha, a quase totalidade dos esgotos domésticos recolhidos. Esgoto “in natura”, ou seja, sem nenhuma forma de tratamento. Com isso, morre o rio e, junto com ele, o mangue, berço de grande parte da vida marinha do nosso planeta.
E assim continuamos tocando as nossas vidas, como se nada estivesse acontecendo. Quem sabe, no futuro, apareça algum culpado nessa história trágica. E muitos homens de bem declararão solenemente: - Eu não tenho nada com isso!
Retirado do livro "Pedagogia da Água - Sobre o papel do cidadão
na preservação dos recursos hídricos"
Autor: João de Deus Souto Filho (Natal-RN)

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Desperdício: quem leva esse problema a sério?

Dizem que o desperdício é a marca dos tempos atuais. A sociedade moderna construiu, neste último século, a cultura do consumo desenfreado, fruto das facilidades disponibilizadas pelo avanço tecnológico conseguido particularmente no período pós Segunda Guerra. Nas décadas de 80 e 90 do século passado, a palavra da moda foi “descartável”. Fomos, literalmente, engolidos pela onda do produto descartável e, como conseqüência disso, vivenciamos a implantação de um novo componente cultural: o desperdício.
Hoje, podemos dizer que o grupo de pessoas preocupado seriamente com este grave desvio de comportamento constitui uma minoria da sociedade. Para se ter uma idéia da gravidade do problema, estudos recentes demonstram que no Brasil o desperdício de alimentos é da ordem de 40%. Esse mesmo padrão se estende para as áreas de energia e água.
No caso específico da água, os números variam entre 30% e 65% de desperdício. Em média, as grandes metrópoles brasileiras desperdiçam diariamente 40% da água disponibilizada para a população. E Natal está acompanhando essa tendência. Segundo dados da CAERN, o desperdício de água situa-se entre 40 e 45%. Causa principal: vazamentos na rede de distribuição. As empresas distribuidoras de água no Brasil convivem com esses números há mais de duas décadas. Em termos de Nordeste, a referência tem sido o estado do Ceará, que conseguiu reduzir o desperdício para a casa dos 30%.
Do ponto de vista individual, é sabido que o brasileiro aprecia um banho bem demorado, especialmente os jovens, que às vezes passam de quarenta a cinqüenta minutos debaixo do chuveiro. De vez em quando, alguns desses jovens são criticados por seus pais, que reclamam dizendo coisas do tipo: “menino, acaba logo esse banho, não fique gastando água sem necessidade”. Os mesmos pais que passam mais de uma hora com a mangueira aberta, enquanto lavam o carro da família ou que varrem diariamente a calçada com a famosa “vassoura d’água”. Afirmam os psicólogos e pedagogos que os filhos tomam os seus pais como modelos. Hora de perguntar: Esses pais, gastadores contumazes de água, conseguirão transformar seus filhos em pessoas preocupadas com o desperdício desse líquido tão precioso? Muito pouco provável.
Já que estamos tratando do desperdício doméstico, aproveitamos para apresentar alguns números relacionados com o assunto. São valores médios, que dão uma idéia sobre gastos envolvendo atividades corriqueiras, como por exemplo: torneira pingando: 46 litros por dia; banho de 20 minutos, com chuveiro continuamente ligado: 120 litros; escovar os dentes com a torneira aberta: 18 litros; filete de água de três milímetros, em torneira que apresente vazamento: 8000 litros por dia; lavagem de carro com mangueira: 246 litros.
Considerando que o combate ao desperdício envolve mudança de hábito, é importante que este assunto passe a fazer parte das conversas diárias entre pais e filhos, do debate rotineiro nas salas de aula e de ações de sensibilização continuadas. Só assim poderemos contribuir para a construção de uma sociedade que faça uso otimizado deste bem que a cada ano se torna mais escasso. E como a escassez de água já é uma realidade na maioria dos grandes centros urbanos brasileiros, precisamos exigir a criação de programas permanentes de combate ao desperdício d’água, envolvendo principalmente a mídia televisiva. Não se forma uma consciência de combate ao desperdício, de valorização e preservação da água, utilizando-se de campanhas esporádicas. Necessitamos de uma campanha permanente, com penetração em todos os segmentos da sociedade, para darmos um salto de qualidade nessa área comportamental. Talvez devêssemos lançar a campanha “Desperdício Zero”.

Retirado do livro "Pedagogia da Água - sobre o papel do cidadão
na preservação dos recursos hídricos"
Autor: João de Deus Souto Filho (Natal-RN)

domingo, 21 de dezembro de 2008

Água: das relações possíveis

Somos seres relacionais. Desde o momento em que nos encontramos no útero materno até o instante da nossa morte, nos relacionamos com as pessoas e as coisas que nos cercam. E nesse processo de interação com o mundo, desenvolvemos (ou atrofiamos) a nossa capacidade de percepção sobre o universo do qual fazemos parte. Da percepção consciente, nasce o nosso senso crítico e a partir daí nos posicionamos diante das coisas, diante dos elementos que afetam ou possam afetar a nossa qualidade de vida. Passamos então a atuar como seres políticos.
No campo do relacionamento, dá-se normalmente ênfase para as “relações humanas”. Tanto a psicologia como a sociologia buscam catalogar, explicar ou mesmo avaliar os reflexos das relações entre pessoas e comunidades no comportamento individual e grupal. Nos últimos anos têm predominado as discussões sobre as “relações econômicas”, consideradas peças-chave para o capitalismo vigente. Contudo, constatamos que muito pouco tem sido feito para aprofundarmos as nossas reflexões sobre os tipos de relacionamentos que mantemos com o meio físico, particularmente, com os recursos hídricos. Apesar do esforço gigantesco dos ambientalistas, a maioria das pessoas passa pela vida sem refletir sobre a maneira como se relaciona com algo tão fundamental para o bem-estar de todos, como é o caso da água.
Cabe, pois, perguntarmos: quais os tipos de relacionamentos que podemos manter com o meio ambiente? Ou de modo mais específico: como nos relacionamos com a água? Seria um relacionamento saudável, envolvendo sentimentos de respeito, atitudes positivas, ações responsáveis e espírito colaborativo? Ou seria um relacionamento não construtivo, envolvendo sentimentos de desrespeito, atitudes negativas, ações irresponsáveis e espírito não colaborativo?
Como nos posicionamos no dia-a-dia, à medida que intensificamos as relações de atores e receptores, nesse universo de interação constante e permanente? Nosso convívio com o meio ambiente se dá em clima de harmonia ou desarmonia, de comprometimento ou de indiferença, de ódio ou de amor? Ou será que adotamos apenas uma postura contemplativa diante da bela mãe natureza, fechando os olhos para as suas fraquezas, para as agressões que fazemos a ela? Nos sentimos parceiros ou nos consideramos donos dos patrimônios naturais?
Os pais costumam investir no futuro de seus filhos, oferecendo condições para um desenvolvimento físico e intelectual sadio e profícuo. Os filhos, reconhecendo tal esforço, retribuem com vontade e dedicação. Dessa parceria salutar surgem homens e mulheres habilitados para conduzirem de modo seguro os seus destinos. Dos bons relacionamentos, dentro e fora do seio familiar, é que são moldados os cidadãos justos e éticos. Na construção da cidadania, precisamos reservar espaço para reflexões sobre a forma como nos relacionamos com o meio ambiente. E nessa reflexão necessitamos reservar um tempo especial para avaliarmos as relações mantidas com água. Nunca é demais lembrar: sem água não existe futuro digno.
Retirado do livro "Pegagogia da água - Sobre o papel
do cidadão na preservação dos recursos hídricos"
Autor: João de Deus Souto Filho (Natal-RN)