segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Cidade Saudável: o papel do cidadão

A Organização Mundial de Saúde vem trabalhando desde o final da década de 80 do século passado, em um projeto denominado “Cidade Saudável”, que tem como objetivo principal a melhoria da qualidade de vida nos centros urbanos. Este projeto teve início no Simpósio sobre Cidades Saudáveis, realizado em Lisboa, no ano de 1986, com a seleção de onze cidades. Para se ter uma idéia do interesse internacional sobre o tema, no 7º Simpósio Anual de Cidade Saudável, realizado em 1992, na cidade de Copenhague, já se tinha trinta e cinco adesões européias.
Interessante observar que dentre os parâmetros tomados como referência para a viabilização de uma cidade saudável estão os seguintes: ambiente físico limpo, seguro e de alta qualidade; ecossistema estável no presente e sustentável a longo prazo; comunidade forte, com laços de suporte mútuo e não exploradora; alto grau de participação popular e controle nas decisões que afetam a vida, saúde e bem-estar de cada um.
Chamamos a atenção para os dois últimos aspectos referenciados acima, quais sejam: comunidade forte, com laços de suporte mútuo, e alto grau de participação popular. Eles dizem respeito diretamente à necessidade da presença ativa do cidadão para que seja viabilizado qualquer projeto de melhoria das condições de vida nos núcleos urbanos. E essa participação necessária não se restringe aos profissionais de saúde, como pode parecer para alguns. Ela envolve todos os segmentos sociais e profissionais: do médico ao paciente mais humilde; do engenheiro aos moradores dos conjuntos populares; do juiz ao advogado recém-formado; do professor universitário mais graduado ao professor do ensino básico que atua nas escolas da periferia; do patrão ao empregado; dos representantes de conselhos comunitários aos membros de organizações não-governamentais; dos administradores públicos aos funcionários públicos menos graduados. Cabendo ressaltar sempre que “participação popular” não significa “subserviência popular”, ou seja, a participação popular deve ser vista como o motor da tão propalada “gerência participativa da cidade”.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Quando não houver mais escolha

O ser humano parece não entender o significado do termo "ação preventiva". O século XX produziu uma geração que cultua o consumismo exasperado e que costuma dar atenção apenas ao "aqui e agora". Reforçada pela mídia, que nos bombardeia minuto a minuto com apelos para consumirmos cada vez mais, e contando com a conivência dos órgãos públicos, que se omitem de realizar um trabalho voltado para a formação de uma consciência social que valorize o uso racional dos recursos naturais disponibilizadas para a sociedade, dentre os quais destacamos a água, o ar, a terra e as diferentes formas de energia, somos induzidos a consumir, consumir, consumir...
A atual crise energética pela qual passou o país forçou a população, os poderes públicos e os empresários a refletirem sobre a falta que faz os chamados "bens elementares", muitas vezes tão desvalorizados, apesar de serem essenciais para o conforto dos cidadãos e para a sobrevivência da vida no nosso planeta. O alerta do "apagão" deve ser tomado como uma oportunidade para mudarmos de postura frente aos recursos que a mãe natureza nos disponibiliza. Não faz muito tempo sentimos o gosto amargo da falta de energia; amanhã corremos o risco de vivenciar a triste experiência da falta d'água. Parece que fomos contaminados pelo vírus do imobilismo que nos leva a agir apenas quando nos deparamos com a terrível constatação de que "não há mais solução".
É hora de nos mobilizarmos em defesa de direitos fundamentais: de respirarmos um ar de boa qualidade; de consumirmos água não contaminada; de contarmos com um sistema de saúde eficiente; de termos acesso a um ambiente ecologicamente bem equilibrado; de podermos utilizar a energia sem restrições impostas por aqueles que deveriam garantir a sua disponibilidade. Precisamos agir, de forma organizada, no sentido de forçar os poderes constituídos e os demais agentes envolvidos a garantirem a preservação dos recursos naturais. Chega de aceitar passivamente as agressões feitas aos nossos bens mais valiosos: aos nossos mananciais de águas superficiais e subterrâneos (que matam a nossa sede e que mantêm a nossa saúde equilibrada), aos nossos manguezais (berço da vida marinha), às coberturas vegetais (fonte de alimento e agente de proteção da superfície terrestre) e aos espaços urbanos (sítio onde plantamos os nossos sonhos de seres urbículas).
Que o desenvolvimento seja acompanhado por ações que garantam a saúde do nosso planeta. Não podemos transferir essa responsabilidade para mais ninguém, mesmo porque os exemplos até hoje dados pelos detentores do poder (político e econômico) não são merecedores de crédito algum. Chegamos no limite. Está na hora de lutarmos pelo nosso sagrado direito de exigir, enquanto dispomos de algum tipo de escolha.

Retirado do Livro: Pedagogia da Água - O papel do cidadão na preservação dos recursos hídricos
Autor: João de Deus Souto Filho

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Aprendendo com as chuvas

O país parece estar debaixo d’água. As chuvas castigam o Brasil de norte a sul, particularmente nos centros urbanos: São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, são alguns exemplos de cidades que estão enfrentado sérios problemas com as águas de janeiro. A defesa civil e o corpo de bombeiros têm trabalhado freneticamente para atender as vítimas das enchentes que estão virando lugar comum nesse início de ano. Diante de tantos estragos, de tantos prejuízos materiais e perdas de vidas humanas, somos levados a refletir sobre o tema: o que precisamos aprender com as chuvas? O que está acontecendo de errado? O que estamos presenciando é apenas uma questão de distúrbio meteorológico? Por que as nossas cidades não suportam chuvas torrenciais? As autoridades (municipais, estaduais e federais), em articulação com a comunidade científica, e as entidades que atuam diretamente no processo de ocupação dos centros urbanos (Secretarias de Planejamento, CREAs, Sindicatos da Construção Civil etc) precisam apresentar propostas urgentes para a solução dos problemas ligados às chuvas.
As cidades precisam ser repensadas quanto aos seus sistemas de coleta e armazenamento de águas pluviais. Todos os segmentos sociais precisam estar envolvidos nessa maratona de readequação dos centros urbanos. A população, o cidadão comum, também precisa participar desse processo. Temos que aprender com as chuvas. As enchentes, os alagamentos, associados a prejuízos materiais, são exemplos típicos de problemas cujas causas são de caráter ambiental. As cidades, via de regra, foram implantadas ou se expandiram, desrespeitando os condicionantes ambientais das áreas urbanizadas (morfologia do terreno, tipo de solo, vegetação, capacidade de armazenamento e transferência dos mananciais de águas superficiais): na maioria dos casos predominou a ganância dos especuladores imobiliários, promovendo a ocupação de áreas ambientalmente sensíveis; as preocupações com o estético orientaram os planos diretores, em detrimento da adequabilidade das obras de engenharia; o descaso com o problema da impermeabilização do solo sempre foi evidente, e a falta de programas permanentes de esclarecimento da população, quanto à preservação do meio ambiente, é a marca das administrações municipais no Brasil. Resultado: a cada período de chuva, os problemas se avolumam, os prejuízos aumentam, e os responsáveis pelo gerenciamento urbano ficam a colocar a culpa em São Pedro.
Precisamos, sim, aprender com as chuvas. Talvez elas estejam a nos dizer insistentemente que a natureza já está cansada de tantos erros cometidos por nós, seres racionais. Ela está nos devolvendo, na forma de enchentes e desabamentos, tudo aquilo de errado que temos feito, em termos de ocupação dos espaços nas áreas urbanas.

Retirado do livro "Pedagogia da Água"
Autor: João de Deus Souto Filho

sábado, 7 de janeiro de 2012

Os rios e as cidades

Os rios estão nas raízes da maioria dos centros urbanos. Não por acaso. Eles são as fontes milagrosas que viabilizam o desenvolvimento da quase totalidade dos núcleos sociais por nós conhecidos. Paris, a mais charmosa metrópole européia, nasceu e se desenvolveu às margens do Sena. Londres, o coração da nobreza inglesa, é uma cidade alimentada pelo rio Tâmisa. Roma, centro político e cultural da Itália, tem a sua história ligada ao rio Tibre. Nova Deli, capital da Índia milenar, se ergueu às margens do sagrado rio Ganges. São Paulo, a maior metrópole da América Latina, nasceu às margens do Rio Tietê. Recife, a nossa Veneza dos trópicos, tem a cara e o cheiro dos irmãos de água, Capibaribe e Beberibe. E Natal, a nossa vila mais sagrada, germinou nas margens do Potengi.
Sem sombra de dúvida, nós, o supra-sumo do mundo civilizado, devemos muito a esses cursos d´água. E o que damos em troca dessas verdadeiras dádivas recebidas da mãe Terra? Como filhos ingratos, nós presenteamos os rios das nossas cidades com o que temos de pior: os nossos dejetos, domésticos e industriais, o lixo podre gerado a cada dia, o lixo imundo e pestilento gerado a cada segundo. E assim matamos os Tietês, os Capibaribes, os Ganges, os Senas e os Tâmisas da vida. É o mesmo que estamos fazendo com o nosso majestoso Potengi. Hoje, a cidade do Natal despeja, nas águas do Potengi, sem nenhum escrúpulo ou vergonha, a quase totalidade dos esgotos domésticos recolhidos. Esgoto “in natura”, ou seja, sem nenhuma forma de tratamento. Com isso, morre o rio e, junto com ele, o mangue, berço de grande parte da vida marinha do nosso planeta.
E assim continuamos tocando as nossas vidas, como se nada estivesse acontecendo. Quem sabe, no futuro, apareça algum culpado nessa história trágica. E muitos homens de bem declararão solenemente: - Eu não tenho nada com isso!

Retirado do livro "Pedagogia da Água - sobre o papel do cidadão na preservação dos recursos hídricos". Autor: João de Deus Souto Filho