O valor que a água tem
Cobrança pelo uso da água. Esse é um tema que está na ordem do dia das secretarias de recursos hídricos e agências de água da maioria dos estados brasileiros. Os especialistas em mercado estão desenvolvendo estudos, testando hipóteses, aplicando as teorias mais modernas de economia, visando obter o valor econômico da água.
Qual o valor que deve ser cobrado por cada litro de água retirado dos mananciais superficiais e subterrâneos? A água está sendo analisada como um bem de mercado, pura e simplesmente. Os economistas estão tratando a água como uma mercadoria que precisa ser valorada para comercialização. Quem consome água mineral já faz parte do mercado da água, com direito a rótulo e selo de garantia.
Essa visão mercantilista nos leva a refletir sobre uma questão crucial, relacionada com o significado da água para as nossas vidas. E aí somos levados a rever o nosso conceito de valor. Qual o valor de um litro d’água para uma pessoa que vive, por exemplo, no semi-árido nordestino e que precisa caminhar vinte quilômetros para conseguir água em um barreiro imundo, de onde ele retira o líquido precioso para matar a sede da sua família? Por outro lado, qual o valor de um litro d’água para uma pessoa que reside em Natal e que não se preocupa com o desperdício desse líquido precioso, enquanto lava o seu carrão último modelo, na porta de casa, com a mangueira aberta a todo vapor? E para um morador das Rocas, ou das margens do Potengi, que está prestes a se contaminar com o vírus da Hepatite, ao tomar banho nas proximidades do local onde a CAERN despeja os esgotos da cidade? Ou, ainda, qual o valor que a água tem para uma indústria que capta água da lagoa de Extremoz, para uso no seu processo produtivo, e depois a devolve para a mesma lagoa na forma de esgoto industrial?
Para a família do semi-árido que convive com a realidade da escassez de água, a sua disponibilidade pode significar a diferença entre a vida e a morte. Portanto, para eles, trata-se de um produto de alto valor (no sentido mais amplo do termo). Já para a pessoa que desperdiça água enquanto lava o seu carro, a escala de valor é insignificante. Para esse tipo de usuário é indiferente gastar dez ou duzentos litros na limpeza do seu carro. Por outro lado, para o morador das margens do Potengi, o contato direto com água contaminada pode significar o comprometimento da sua saúde pelo resto da vida. Para o Estado isso pode representar gastos significativos na área de saúde pública. E, por fim, para o empresário da indústria que despeja seus efluentes industriais na lagoa, sem nenhum tipo de tratamento, a água só tem algum valor no momento da sua captação, quando se encontra limpa. Depois de usada, passa a ser tratada como material de descarte, como produto que não tem valor nenhum.
Considerando que os sistemas de abastecimento de água das metrópoles brasileiras encontram-se à beira do colapso e que os mananciais de água potável localizados próximos dos centros urbanos estão cada vez mais degradados, faz-se necessária uma revisão profunda sobre o valor que a água tem. Mais do que um produto de consumo, a água é um bem natural que faz parte do ciclo da vida no nosso planeta. A nossa qualidade de vida depende essencialmente da disponibilidade de água própria para o consumo humano. Sem água de boa qualidade não existe futuro digno, nem tampouco estabilidade social para as gerações futuras. Os mecanismos que estão sendo criados para cobrança pelo uso da água talvez sejam o “remédio amargo” de que a sociedade brasileira esteja necessitando para tomada de consciência sobre o valor que a água tem. Alegam os economistas e demais defensores da cobrança pelo uso da água que os recursos arrecadados serão aplicados em projetos de recuperação e preservação dos mananciais superficiais e subterrâneos de água. Se vamos, no futuro próximo, pagar pelo uso da água, precisamos criar mecanismos de controle que garantam a aplicação adequada desses recursos. Mais importante seria aproveitarmos esse evento para revermos os nossos conceitos sobre o valor que a água tem.
Retirado do livro "Pedagogia da água - sobre o papel do cidadão na proteção dos recursos hídricos"
Autor: João de Deus Souto Filho (Natal-RN)
Qual o valor que deve ser cobrado por cada litro de água retirado dos mananciais superficiais e subterrâneos? A água está sendo analisada como um bem de mercado, pura e simplesmente. Os economistas estão tratando a água como uma mercadoria que precisa ser valorada para comercialização. Quem consome água mineral já faz parte do mercado da água, com direito a rótulo e selo de garantia.
Essa visão mercantilista nos leva a refletir sobre uma questão crucial, relacionada com o significado da água para as nossas vidas. E aí somos levados a rever o nosso conceito de valor. Qual o valor de um litro d’água para uma pessoa que vive, por exemplo, no semi-árido nordestino e que precisa caminhar vinte quilômetros para conseguir água em um barreiro imundo, de onde ele retira o líquido precioso para matar a sede da sua família? Por outro lado, qual o valor de um litro d’água para uma pessoa que reside em Natal e que não se preocupa com o desperdício desse líquido precioso, enquanto lava o seu carrão último modelo, na porta de casa, com a mangueira aberta a todo vapor? E para um morador das Rocas, ou das margens do Potengi, que está prestes a se contaminar com o vírus da Hepatite, ao tomar banho nas proximidades do local onde a CAERN despeja os esgotos da cidade? Ou, ainda, qual o valor que a água tem para uma indústria que capta água da lagoa de Extremoz, para uso no seu processo produtivo, e depois a devolve para a mesma lagoa na forma de esgoto industrial?
Para a família do semi-árido que convive com a realidade da escassez de água, a sua disponibilidade pode significar a diferença entre a vida e a morte. Portanto, para eles, trata-se de um produto de alto valor (no sentido mais amplo do termo). Já para a pessoa que desperdiça água enquanto lava o seu carro, a escala de valor é insignificante. Para esse tipo de usuário é indiferente gastar dez ou duzentos litros na limpeza do seu carro. Por outro lado, para o morador das margens do Potengi, o contato direto com água contaminada pode significar o comprometimento da sua saúde pelo resto da vida. Para o Estado isso pode representar gastos significativos na área de saúde pública. E, por fim, para o empresário da indústria que despeja seus efluentes industriais na lagoa, sem nenhum tipo de tratamento, a água só tem algum valor no momento da sua captação, quando se encontra limpa. Depois de usada, passa a ser tratada como material de descarte, como produto que não tem valor nenhum.
Considerando que os sistemas de abastecimento de água das metrópoles brasileiras encontram-se à beira do colapso e que os mananciais de água potável localizados próximos dos centros urbanos estão cada vez mais degradados, faz-se necessária uma revisão profunda sobre o valor que a água tem. Mais do que um produto de consumo, a água é um bem natural que faz parte do ciclo da vida no nosso planeta. A nossa qualidade de vida depende essencialmente da disponibilidade de água própria para o consumo humano. Sem água de boa qualidade não existe futuro digno, nem tampouco estabilidade social para as gerações futuras. Os mecanismos que estão sendo criados para cobrança pelo uso da água talvez sejam o “remédio amargo” de que a sociedade brasileira esteja necessitando para tomada de consciência sobre o valor que a água tem. Alegam os economistas e demais defensores da cobrança pelo uso da água que os recursos arrecadados serão aplicados em projetos de recuperação e preservação dos mananciais superficiais e subterrâneos de água. Se vamos, no futuro próximo, pagar pelo uso da água, precisamos criar mecanismos de controle que garantam a aplicação adequada desses recursos. Mais importante seria aproveitarmos esse evento para revermos os nossos conceitos sobre o valor que a água tem.
Retirado do livro "Pedagogia da água - sobre o papel do cidadão na proteção dos recursos hídricos"
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial