quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Rio Potengi, berço da nação Potiguar

          Conta uma lenda, dessas lindas lendas de beira-mar, que ao escolher as margens do Rio Potengi para construir a sede da nação Potiguar, o grande pajé consultou a mãe Lua, perguntando-lhe: “Mãe de todas as noites, seria este um bom lugar para plantarmos as nossas raízes?”  A Lua Mãe, naquela noite, resplandeceu por entre as nuvens e disse: “Filho dessa terra abençoada, faça desse espaço a morada de toda essa nação guerreira. Construa a tua oca sobre esta areia branca e faça uso de tudo aquilo que a natureza colocar ao alcance de tuas mãos. Retire da floresta os frutos que matarão a tua fome e faça uso desse Rio sagrado com equilíbrio, porque ele matará a tua sede e lavará o teu corpo até o final dos tempos”. Satisfeito com a resposta, o velho pajé fez reverências aos céus e cravou sobre a areia o marco daquela aldeia que receberia o nome de Igapó.
Vieram os portugueses, conquistadores de mares longínquos, demarcaram a terra, construíram uma vistosa fortaleza e fundaram um povoado que recebeu a denominação de Cidade do Natal.  Muitas luas se passaram, foram-se os potiguares expulsos da velha aldeia; a pequena vila portuguesa tornou-se metrópole, e hoje assistimos indiferentes ao sacrifício lento e contínuo do sagrado Potengi. A cidade despeja no seu leito, sem qualquer escrúpulo, as suas imundícies. O Rio agoniza aos pés dos Potiguares da nova era, e seguimos alardeando aos quatro ventos que o progresso é a marca dessa charmosa cidadela. Nem nos lembramos da mãe Lua, que chora em silêncio e que reflete a sua luz fria nas águas lentas daquele que foi o Rio dos Camarões.
Naqueles tempos idos do início da ocupação da terra Pityguara, pelos homens brancos da casa de Aragão e Castela, ouvia-se na língua tupi a afirmação contundente: água, o sangue da terra. Esta afirmação ecoava forte no seio da floresta. Anciões e jovens guerreiros participavam do ritual da “dança da chuva”, entoando canções de agradecimento à mãe Lua pela água cristalina que corria nos riachos e que alimentavam o Potengi. A relação dos filhos da floresta com as águas de todos os tipos era de respeito e amor. O ciclo das águas participava harmonicamente do ciclo da vida nas comunidades Pityguaras.
 
          Os estrangeiros venceram a guerra de ocupação. O povo Pityguara, subjugado pela força dos mosquetões e pela ganância da espada ibérica, cedeu lugar a uma nova civilização. Em nome do Deus cristão, o povo simples da floresta foi quase que totalmente dizimado. Os sobreviventes dessa guerra desigual foram forçados a aprender novos conceitos ditos civilizados. As relações naturais e equilibradas do homem com o meio físico começaram a ser quebradas. A povoação dos Reis Magos é elevada à condição de vila, a pequena vila toma ares de cidade e hoje se apresenta para o mundo como metrópole. E o rio, que deu vida à majestosa cidadela, agora agoniza diante de oitocentos mil corações, que seguem indiferentes o curso da história. Talvez devêssemos resgatar as palavras dos verdadeiros donos dessa terra, os guerreiros Pityguaras, na esperança de vermos estancadas as agressões cometidas diariamente contra o rio de nossas vidas, repetindo todos os dias “água, o sangue da terra”.

Retirado do livro "Pedagogia da Água"
Autor: João de Deus Souto Filho

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