sábado, 17 de agosto de 2013

... quando menos esperassem, o riachinho cessou.

          Ler Guimarães Rosa é algo muito especial. As suas narrativas nos remetem para o que tem de mais belo e brasileiro nesse país de dimensões continentais: o universo dos Campos Gerais.
          Permitam-me compartilhar com vocês um fragmento retirado da novela "Uma Estória de Amor", que compõe a magistral obra "Corpo de Baile". Esse fragmento fala da morte de uma nascente e do desaparecimento de um pequeno curso d'água.
          "... quando menos esperassem, o riachinho cessou. 
          "Foi no meio duma noite, indo para a madrugada, todos estavam dormindo. Acordaram, se falaram. Até as crianças. Até os cachorros latiram. Aí, todos se levantaram, caçaram o quintal, saíram com luz, para espiar o que não havia. Foram pela porta da cozinha. Manuelzão adiante, os cachorros sempre latindo. - "Ele perdeu o chio..." Triste de uma certeza: cada vez mais fundo, mais longe nos silêncios, ele tinha ido s'embora, o riachinho de todos. Chegando na beirada, Manuelzão entrou, ainda molhou os pés, no fresco lameal. Manuelzão, segurando a tocha de cera de carnaúba, o peito batendo com um estranhado diferente, ele se debruçou e esclareceu. Ainda viu o derradeiro fiapo d'água escorrer, estilar, cair degrau de altura de palmo a derradeira gota, o bilbo. E o que a tocha na mão de Manuelzão mais alumiou: que todos tremiam mágoa nos olhos. Ainda esperaram ali, sem sensatez; por fim se avistou no céu a estrela-d'álva. O riacho soluço se estancara, sem resto, e talvez para sempre. Secara-se a lagrimal, sua boquinha serrana. Era como se um menino sozinho tivesse morrido."
          A singeleza e o vigor dessa narrativa bate nas nossas mentes como um grito de alerta, como um apelo, para que tenhamos mais cuidado com a saúde das nascentes, dos riachos, dos rios e lagos desse nosso rincão, desse brasilzão velho de guerra.
          Quantos riachinhos já cessaram, quantas nascentes já secaram, por falta de cuidado, por descaso ou omissão?
          Um viva a Guimarães Rosa!

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