domingo, 19 de maio de 2013

Chora Pantanal Querido

CHORA PANTANAL QUERIDO
 
[Sobre o lixo que o Bicho Homem leva para o Pantanal]

Chora Tuiuiú,
Curicaca,
Conselheiro.

Chora Saracura,
Juçanã,
Gavião Caramujeiro.

Chora Capivara,
Macaco-Prego,
Veado-Campeiro.

Chora Arraia Prateada,
Pacu, Bagre,
Pintado faceiro.

Chora eu,
Chora você,
Por todo esse lixo
Espalhado...

O rio, cadê o rio
No santuário encantado?
Quem trouxe tanta sujeira
Que vejo por todo lado?
Seria a brisa pantaneira,
Seria o mar do passado?

Chora eu,
Chora você,
Por todo esse lixo
Espalhado.

O verde, cadê o verde
Dessa mata imaculada?
Quem trouxe para essas margens
Tanto vidro, tanta lata?

Seria a chuva torrente,
Seria essa correnteza?
Ou seria essa rica gente
De lancha e bela viseira?

Chora eu,
Chora você,
Por todo esse lixo
Espalhado.

A trilha, cadê a trilha,
Dantes virgem,
Sem desbastes?
Quem repisou estas flores,
Quem quebrou mais esse galho?

Seria a mãe sucuri
Que se arrasta com cuidado?
Ou mesmo o bicho-preguiça
Que segue no lento passo?

E a água cristalina,
De muitos tempos passados,
Quem é mesmo o responsável
Pelos lagos contaminados?
Seria a Coruja Buraqueira
Ou o pequeno João-de-Barro?

Diz a canção pantaneira:
"Chalana, velha Chalana,
Leva por essas águas
Esse meu grito de dor
Quando vejo tanta gente
Deixando as suas sujeiras
Nesta savana multicor."

Quem sabe um dia o turista
Possa vir a compreender
Que mais vale a terra limpa
E a boa água de beber
Do que o lixo espalhado
Por toda essa ribanceira
Que faz desse vale encantado
Uma verdadeira lixeira.

Pantanal da minha vida,
Meu gavião dourado.
Periquito está chorando
Lá no alto da palmeira,
Olha triste, acabrunhado,
Para essa grande sujeira.

Até a onça pintada
Vai pro meio da estrada:
Quer olhar no fundo do olho
Desse bicho que se espalha
Trazendo pra nossa terra
Seus lixos, suas tralhas.

E os deuses da verde mata,
Guardiões dessas riquezas,
Vestem luto, ficam mudos,
Com toda essa desgraçeira.

Chora Jacaré ligeiro,
Tamanduá Bandeira.
Chora eu e o mundo inteiro
Por esse desastre pantaneiro.

Meu filho também suspira,
E me pergunta indignado:
- Que herança me deixaste
Nesse Pantanal amado?

O rio, cadê o rio,
Que antes trazia vida ?
A mata, cadê a mata,
Tão viçosa de outrora?
Cadê o canto das aves
Que embalava o meu sono?
Responda meu pai querido,
Por que permitiste isso?

Chora o povo da floresta,
Chora mãe d'água encantada,
O choro dos condenados.
Aquele choro doído
Por ter seu corpo violado.

Quem será o "gran Juiz"
Dessa peleja desigual?

Não sei nem mesmo imagino
A quem caberá a decisão
De por fim a essa maldade.

Tenho, porém, no meu peito
Uma única e grande certeza:
No dia do Gran Juízo,
Ao homem será cobrada
A conta por tudo isso.
Nessa hora, nesse dia
Este ser racional
Reconhecerá seus erros
Cometidos no Pantanal.

                  Fim
(João de Deus Souto Filho)
 
             Julho/2001

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