A cidade: priorizando a qualidade de vida
Natal
não é mais como antigamente: a cidade está mais violenta, mais suja, mais
barulhenta, o tráfego está cada vez mais complicado, os alagamentos estão
aumentando a cada ano, as praias estão cada vez mais poluídas, nossos filhos
não podem circular com segurança pelas ruas e praças, o número de favelas tem
crescido exponencialmente ao longo dos anos, a degradação dos nossos mananciais
de água potável alcança níveis insuportáveis. Que desenvolvimento urbano é esse
que acaba prejudicando a qualidade de vida dos natalenses? Esse é o preço que
devemos pagar pelo progresso? Existirá alguma saída para essa dicotomia
“desenvolvimento versus redução da qualidade de vida urbana?”
Retirado do livro "Pedagogia da Água"
Autor: João de Deus Souto Filho
Esse fato, que se repete em todas as
metrópoles brasileiras, tem sido objeto de discussão entre antropólogos,
sociólogos, urbanistas e administradores públicos, ao longo dos anos. Há
décadas esse assunto é debatido nas academias e nos fóruns especializados.
Muitas fórmulas já foram pensadas, muitas promessas já foram feitas, porém
quase nenhum sucesso foi obtido, conforme ilustram os exemplos a seguir: São
Paulo de hoje está muito pior do que a São Paulo de duas décadas atrás; o Rio
de Janeiro apresenta baixíssimos índices de qualidade de vida na atualidade; em
Recife, a violência urbana e a degradação ambiental preocupam as autoridades
locais. Em suma, tem piorado a qualidade de vida dos moradores das grandes
cidades.
Onde estamos falhando, como
sociedade organizada que dispõe de todos os instrumentos (materiais,
tecnológicos, legais) para a solução desse problema? O problema é apenas de
administração pública? A nossa qualidade de vida reflete exclusivamente a
qualidade dos nossos administradores públicos? Se assim for, por que dispomos
de administradores públicos tão incompetentes, tão descompromissados com os
reais interesses da população? Neste caso específico, deveríamos ser mais
seletivos na escolha de prefeitos e vereadores, priorizando os interesses da
cidade, em vez de buscar o favorecimento de grupos interessados em manter o
domínio da política local, como temos observado nas últimas três décadas.
Mas a questão fundamental, no meu
entender, não é essa. O que tem faltado, de fato, é a participação dos
diferentes segmentos sociais nos destinos da cidade. A sociedade, que vive na
cidade, que se utiliza da cidade, que circula na cidade, que faz uso da
infraestrutura da cidade, tem estado ausente dos fóruns que definem o
planejamento e que fiscalizam a aplicação dos recursos destinados para a
melhoria da cidade.
As
entidades de classe, por exemplo, os Conselhos Regionais das diferentes
categorias profissionais, preocupam-se quase que exclusivamente com as questões
burocráticas de fiscalização, deixando de exercer com mais intensidade os seus
papéis de agentes promotores da qualidade de vida. Além dessa visão
reducionista, as entidades de classe interagem muito pouco entre si. Em outras
palavras, a cidade não é tomada como uma prioridade, quando o assunto diz
respeito à melhoria da qualidade de vida nos núcleos urbanos. As prioridades
são os interesses isolados de cada categoria profissional. Há cinco anos, venho
participando do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do RN (CREA), na
qualidade de conselheiro e representante de entidade, e nesse período nunca
presenciei um encontro entre CREA, OAB, CRM e demais Conselhos Regionais para
discutirem o futuro da cidade e definirem ações conjuntas para a busca de
soluções de interesse comum. As fiscalizações integradas já ocorrem em Natal, o
que constitui um ponto positivo, porém estou me referindo a uma participação
mais ampla, que tenha alcance social mais abrangente. É certo que existem participantes dessas
entidades nos vários Conselhos existentes, como por exemplo, no COMPLAN, no
CONSAB, no CONERH, no CONEMA, contudo o nível de interação entre os
representantes é muito baixo, propiciando a defesa dos interesses difusos e
quase sempre corporativistas.
Esse mesmo modelo é replicado para os cidadãos
potiguares, com o predomínio da visão individualista. A qualidade de vida na
cidade, via de regra, não é tida como uma prioridade, que mereça uma
participação mais efetiva. Ela é considerada como algo de responsabilidade
exclusiva do estado. Na visão da maioria, as suas obrigações como cidadãos se
restringem ao ato de pagar os impostos cobrados e de depositar os votos nas
urnas. E com essa ausência do cidadão, na chamada Gerência Participativa da
Cidade, os administradores públicos descompromissados e os políticos mal
intencionados seguem descumprindo as suas obrigações como representantes do
povo. Admitamos ou não, a cidade onde vivemos tem a nossa cara, reflete o nosso
modo de encarar a vida. E se sonhamos com uma vida melhor, devemos participar
da construção de uma cidade mais humana, de uma cidade mais digna, de uma
cidade mais harmônica com o meio físico em que ela se encontra. Retirado do livro "Pedagogia da Água"
Autor: João de Deus Souto Filho
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