A água de Natal corre o risco de acabar: renovando um alerta já feito
O primeiro alerta foi feito no ano de 2000. Renovo agora esse alerta, visto que a situação se agravou ainda mais para os habitantes da região metropolitana de Natal.
"De que adianta termos água
disponível para o consumo se não podemos utilizá-la? É isso o que está para
acontecer em Natal. A cada dia que passa aumenta o grau de contaminação dos
nossos mananciais de águas superficiais e subterrâneas. Como é do conhecimento
geral, a quase totalidade dos rios que cortam a área metropolitana de Natal
está com suas águas poluídas, tornando-se impróprias para o consumo humano.
Também é do conhecimento das autoridades públicas, municipais e estaduais, que
o grau de contaminação das nossas águas subterrâneas está alcançando níveis
alarmantes. Fato extremamente grave, uma vez que 70% da água disponibilizada
para a população natalense é proveniente dos lençóis de água subterrânea
existentes no subsolo da nossa cidade. Estudos realizados pela UFRN e pela
própria CAERN comprovam que, em bairros como Alecrim e Tirol, os níveis de
contaminação da água por nitrato, substância que, dentre outras doenças,
provoca o câncer estomacal, já alcança valores da ordem de 200 mg/l, quase
cinco vezes maiores que o limite estabelecido pela Organização Mundial de
Saúde, que é de 45 mg/l.
É sabido que a crise da água nas grandes metrópoles brasileiras tem relação com as seguintes questões: (1) a poluição dos rios da região; (2) a ocupação
desordenada das áreas de mananciais; (3) o desmatamento nas áreas de nascentes
e de mananciais; (4) a impermeabilização do solo nas regiões de mananciais; (5)
o despejo de esgoto clandestino nos mananciais de água; e (6) o desperdício da
água disponibilizada para a população.
Mas qual a relação do problema das grandes metrópoles brasileiras com a nossa cidade, uma vez que Natal tem uma realidade aparentemente
distinta? Nesse caso específico, o que está ocorrendo em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro é
semelhante ao que ocorre hoje na área metropolitana de Natal. Vejamos, pois, as
semelhanças:
(1) os rios que cortam a área metropolitana de Natal já apresentam
alto grau de poluição, o que implica dizer que as águas desses rios são
impróprias para o consumo humano;
(2) a população de Natal conhece de perto o
problema da ocupação desordenada de áreas críticas para a preservação dos
nossos mananciais de águas superficiais e subterrâneas. Sem fazer referência ao
fato de que o lixão de Natal está situado sobre uma região de dunas, o que
contribui significativamente para a contaminação dos nossos aqüíferos;
(3) não
existe nenhum controle sério sob as áreas de nascentes dos nossos rios e nas
proximidades das nossas lagoas, visando à preservação da qualidade dos nossos
recursos de águas superficiais;
(4) nas áreas mais populosas da cidade, a
impermeabilização do solo é quase que total. Isso significa dizer que as águas
das chuvas estão sendo impossibilitadas de penetrarem no solo para promoverem a
recarga dos nossos lençóis subterrâneos e a renovação das águas existentes no
aqüífero situado abaixo da cidade;
(5) todo o esgoto coletado pela CAERN é
jogado nas águas do Rio Potengi sem nenhum tipo de tratamento. Aliado a isso,
agrava-se o fato de apenas 25% da cidade dispor de sistema de saneamento básico
instalado. O que significa dizer que 75% do esgoto doméstico está contribuindo
para a contaminação direta das nossas águas subterrâneas. As fossas e
sumidouros colocam os efluentes domésticos (esgoto) em contato direto com as
nossas águas subterrâneas;
6) quanto ao desperdício, estima-se que 40% da água
disponibilizada para a população é desperdiçada. E, mesmo sabendo disso, tanto
os órgãos públicos como a mídia local nunca se preocuparam em promover uma campanha permanente de esclarecimento
voltada para a valorização da nossa água. O que vemos em Natal são apenas
iniciativas esporádicas que são veiculadas em períodos de crise. O problema do
desperdício de água só pode ser resolvido através da formação de uma
consciência de preservação, que passa necessariamente por um trabalho sério e
permanente de esclarecimento da população. É importante ressaltar que um dos
segmentos responsáveis pelo maior percentual de desperdício corresponde à
classe mais esclarecida da população, incluindo a classe política e a classe
empresarial.
Portanto
existe, sim, muita semelhança entre o que está ocorrendo nas grandes metrópoles brasileiras e o que
estamos vivenciando em Natal. O problema é muito grave e ações sérias precisam
ser tomadas com urgência para que possamos iniciar imediatamente o trabalho de
recuperação da qualidade da água na nossa cidade. Esse não é um trabalho que
deva ser conduzido apenas pelos órgãos públicos, pela prefeitura, pela CAERN ou
pela Secretaria de Recursos Hídricos, por exemplo. É uma empreitada da qual
deve participar toda a população natalense, em especial a classe empresarial e
a mídia, que podem contribuir para a criação de um programa permanente de
esclarecimento de todos os segmentos da sociedade para a valorização e
preservação da água. Essa é uma questão extremamente crítica para a manutenção
da qualidade de vida na nossa cidade. Não podemos nos omitir dessa
responsabilidade social. Mais do que uma questão de saúde pública, esta é uma questão
de cidadania."
Retirado e adaptado do livro "Pedagogia da Água".
Autor: João de Deus Souto Filho
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